sábado, 5 de abril de 2008

hiv e culpa

Tentações de Santo Antão, Hieronymus Bosch


No universo de gays soropositivos, tenho encontrado representantes de 3 grandes grupos: pessoas que se contaminaram em relações monogâmicas, ou seja, o parceiro pulou a cerca e trouxe o hiv para dentro de casa; outras aprontaram para valer e acabaram se expondo demais; há pessoas que nem aprontavam tanto, mas por um acidente ou uma negligência isolada acabaram se contaminando.
No site de relacionamentos, a apresentação de cada perfil hiv+ define claramente a postura de cada um ali, independente de como tenham se contaminado. Há pessoas que assumem o status sorológico e anunciam o desejo de manter relações com múltiplos parceiros sem preservativos, mostrando um forte aspecto de devassidão e promiscuidade (barebackers); pessoas que estão ali para amizades, sexo e/ou relacionamento; e pessoas que repudiam o sexo casual e/ou fora do contexto de um relacionamento, desejando apenas encontrar alguém para algo "sério".
No primeiro caso, nem posso ser leviano ao ponto de afirmar que sejam bug chasers ou que sejam pessoas promíscuas desde sempre e a infecção não alterou seu comportamento.
Os que adotam a segunda postura predominam, mas um discurso mais superficial pode estar mascarando sentimentos de culpa e revolta.
A terceira postura pode ser de pessoas que sempre foram mais conservadoras OU são simplesmente os ARREPENDIDOS.
Independente do grupo ou da postura, há dois pensamentos muito comuns: desejo de ter um relacionamento sério e percepção de que o hiv seja um castigo ou lição da vida (este predomina mais no terceiro grupo, no caso dos arrependidos), através de um discurso que pode ser resumido da seguinte forma: "já aprendi uma grande lição, não posso cometer o mesmo erro". Aliás, essa frase foi tirada de um perfil de um site de encontros.
Obviamente, há um grande peso de religiosidade nesse tipo de pensamento. E muitos "escolhem" não mais praticar sexo casual porque já aprenderam uma grande lição e agora querem um relacionamento sério, inspirando-se nos modelos tradicionais de relações e comportamento -- como se esse fosse o "correto" e que se tivessem agido assim desde sempre não teriam se contaminado,
Como eu já conheci pessoas que tinham culpa pelo próprio prazer (esses normalmente tomam banho correndo depois da transa), imagina o cara viver culpado por ser homossexual, praticar sexo homossexual e ainda se contaminar com o hiv!! Nem precisa frequentar uma igreja ou templo para concluir que o hiv é um castigo por má conduta.
Nem vou dizer que isso nunca passou pela minha cabeça. A gente se arrepende e se culpa, é claro, mas também pode assumir a responsabilidade sem precisar levar o hiv como uma punição divina pelos pecados cometidos. No meu caso, não me contaminei num momento de numerosas aventuras, pelo contrário, estava um tanto sossegado na época. Já havia feito coisas piores? Sim, com certeza. Mas mesmo não tendo acontecido numa onda de promiscuidade inconsequente, sei que poderia não ter acontecido. Mas aconteceu! E não foi a determinação de um deus severo que me colocou nessa.
Um estudo realizado por médicos da Universidade de Yale demonstrou que os pacientes terminais que discutiram com seus médicos sobre o agravamento da doença e medidas para recuperação expressaram:17% vontade de viver; 44% culpa pela infecção pelo hiv; 32% medo da morte; e 26% a doença é uma forma de punição
Este estudo tinha como objetivo informar aos médicos a importância de levar em consideração o grau de religiosidade de seus pacientes terminais. Os que tinham deus como uma figura benevolente e acolhedora eram mais abertos para convsersar sobre medidas a serem tomadas nas crises finais; acreditar que o hiv é era uma punição dificultava esse tipo de conversa.
Há estudos divergentes entre os efeitos negativos e positivos da religião sobre a saúde. Alguns inclusive indicam que a religiosidade surte maiores efeitos benéficos sobre a saúde de pessoas de baixo nível sócio-cultural. Claro que cada caso é um caso, muita gente pode encontrar na religião uma inspiração para superar traumas e manter uma postura positiva sobre a vida. Mas muitos também podem sucumbir ao peso da culpa e encarar a doença, por exemplo, como um castigo.
O fato de o hiv ter se disseminado inicialmente entre pessoas que praticavam o sexo livre ou compartilhavam seringas para injetar drogas foi um fator determinante para que grupos religiosos pregassem que a aids era um castigo de deus para o comportamento inadequado dos "pecadores". Mas e depois disso, quando o hiv atingiu pessoas "inocentes" ou de "boa conduta" através de transfusões de sangue ou em relações monogâmicas em que o parceiro trouxe o vírus para a intimidade?
Sentir culpa por ter pisado na bola é comum em qualquer área da vida. Mas carregar essa culpa de julgamentos morais e religiosos é outra coisa.
Há alguns grupos cristãos que colocam sob outras perspectiva: que oportunidade se cria com a soroconversão? Qual seria o chamado diante de uma situação dessa? São questões interessantes diante de qualquer que seja o problema / causa de sofrimento...
Uma coisa é certa: manter propósitos edificantes na vida é um fator que contribui para a qualidade de vida de qualquer pessoa. Assim como estar em contato consigo mesmo para fazer boas escolhas no que diz respeito a trabalho e relacionamentos.
O hiv muda a vida de qualquer pessoa. Cabe a cada um decidir o que fará com essa realidade.

Um comentário:

Ron Hudson disse...

Hola amigo de Brasil! Yo estoy Ron Hudson de la Carolina del Norte. Espero que puede leer mi español porque "no falo portugues!" Ni español!!!

Si quiere collaborar conmigo sobre el International Carnival de Pozitivities, me gustaría mucho de hacer una connexíon con Brasil.

Puede escribirme à Ron.Hudson@verizon.com.

www.internationalcarnivalofpozitivities.blogspot.com

Ron