segunda-feira, 30 de novembro de 2009

1o. de dezembro

Amanhã é o Dia Internacional da Luta contra a Aids mas foi ontem que ganhei um presente lindo do meu namorado: estávamos na estrada para visitar uns amigos, eu dirigia e C. abriu uma revista para folhear chamando, em seguida, minha atenção para o seguinte anúncio:

"Um deles tem hiv. O outro sabe."

Com muita naturalidade ele expressou sua aprovação. E eu fiquei muito emocionado, pensando como é uma bênção estar com uma criatura tão especial.

Num posto anterior (clique aqui), eu já havia falado do tema da campanha deste ano: "Viver com aids é possível. Com o preconceito não."  Agora, vendo com calma o site da campanha do Ministério da Saúde, eu me emocionei de novo. É realmente uma campanha de impacto, muito bonita e realista. Ponto para eles.

Neste vídeo, Vik Muniz colabora com um projeto incrível:



Que cada dia 1o. de dezembro traga mais e mais reforços nesta luta e que seja, cada vez menos, uma data para se lamentar as coisas ruins acontecem às pessoas que vivem com hiv e aids e seus familiares e pessoas próximas. 

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Mãe loura da soul music

Sou daquele tipo de pessoa que pode gostar ou detestar um artista, seja cantor ator ou o que for, de acordo com a personalidade, o discurso e a postura dele. É assim que venho cultivando alguns desafetos nos últimos anos, pois está difícil admirar alguém no palco (ou na tela ou no cd) e fora dela. Caetano Veloso, coitado, é um desses que eu adoraria que só abrisse a boca para cantar e se calasse no resto do tempo (e parasse de cair tanto, nunca vi bicha maluca para viver caindo do e no palco). Seu discurso acaba me influenciando negativamente e não consigo mais ver o lado bom de sua arte. Uma pena. (Suzana Vieira, Regina Duarte e muitos outros estão no mesmo time.)

Annie Lennox é o caso oposto. Eu nem sei mais se continuo gostando de sua música por ser realmente boa ou porque tenho imensa boa vontade quando ouço sua voz. Admiro a artista e a pessoa, uma loura inteligente sempre com um discurso coerente e que faz soul music com grande competência, sem se vender (totalmente) para o mercado.



Ontem, 11 de novembro de 2009, Annie Lennox foi eleita MULHER DA PAZ 2009 por seu trabalho no combate à aids na África do Sul. Sua ong SING tem sido responsável por arrecadar e aplicar consideráveis somas de dinheiro na testagem e no tratamento de soropositivos, na educação sobre hiv e aids e na prevenção de novos contágios do vírus.

Annie foi premiada no 10th World Summit of Nobel Peace Laureates (a tradução horrorosa seria "10a. cúpula das pessoas contempladas com o Nobel da paz") e recebeu seu prêmio como o reconhecimento de seu trabalho e um estímulo a continuar agindo por um mundo melhor.  Muito mais nobre do que sentar sobre seus louros e criticar o establishment de uma cobertura de frente pro mar, Annie mostra que é possível usar a fama e a visibilidade (conquistadas com seu talento, e não num reality show...) a favor de causas mais nobres do que contemplar o próprio umbigo.

Que seja parte do marketing pessoal dela e uma forma de reduzir a carga tributária sobre sua fortuna pessoal, isso não faz a menor diferença enquanto sua dedicação à causa sul-africana estiver beneficiando milhares de pessoas. 


sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Antes tarde do que nunca

Um grande dia para o mundo -- graças a um grande homem: 


OBAMA ENCERRA PROIBIÇÃO DE ENTRADA

DE SOROPOSITIVOS NOS EUA.


Nunca pensei que essa notícia fosse me tocar tanto, mas logo entendi por quê: saber que a maior nação do mundo (ok, há controvérsias quanto a isso...) pôs um fim à proibição da entrada de turistas e imigrantes soropositivos aumenta a esperança de que o mundo está mais um passo em direção ao fim do preconceito (=ignorância) sobre o que é o hiv, seus riscos, formas de contágio e na direção certa para conter a pandemia de hiv/aids.

Nas palavras do próprio Barack Obama:

“If we want to be the global leader in combating HIV/AIDS, we need to act like it."

“It has been nearly three decades since this virus first became known,” Obama said. “But for years, we refused to recognize it for what it was.  It was coined a ‘gay disease.’  Those who had it were viewed with suspicion.  There was a sense among some that people afflicted by AIDS somehow deserved their fate and that it was acceptable for our nation to look the other way.”

De quebra, ele renovou a lei que prevê tratamento para soropositivos de baixa renda (Ryan White HIV/AIDS Treatment Extension Act), e disse:

"[...] What we can do is to take more action and educate more people.  What we can do is keep fighting each and every day until we eliminate this disease from the face of the Earth.”


Com relação a imigrantes soropositivos, Rachel B. Tiven, diretora executiva da Immigration Equality, diz tudo:

"People living with HIV will no longer be pointlessly barred from this country.... Every day, Immigration Equality hears from individuals and families who have been separated because of the ban, with no benefit to the public health. Now, those families can be reunited, and the United States can put its mouth where its money is: ending the stigma that perpetuates HIV transmission, supporting science, and welcoming those who seek to build a life in this country."

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

“Viver com aids é possível. Com o preconceito, não.”

O tema do dia Mundial de Luta contra a Aids (1° de dezembro) de 2009 será este. 

E o beijo será o grande elo para conscientizar a população das formas de contágio e quebrar o preconceito contra os soropositivos, lembrando ao público em geral que um soropositivo tem o direito de se relacionar afetivamente.

Do site aids.gov.br:

 O beijo, no caso de um dos parceiros ter feridas ou fissuras na boca, é uma via de contágio?

 Segundo estudos, não há evidências de transmissão do HIV pelo beijo. Para que houvesse possibilidade de transmissão, seria necessário que houvesse uma lesão grave de gengiva e sangramento na boca. O HIV pode ser encontrado na saliva, porém as substâncias encontradas na saliva são capazes de neutralizá-lo. Práticas como beijar na boca, fumar o mesmo cigarro, tomar água no mesmo copo, não oferecem riscos.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Campanha em animação - a prevenção contra hiv/aids

Esta campanha está ótima por ser divertida e um tanto realista, mostrando a busca do amor e os "acidentes" de percurso que por si só já podem ser um tanto traumatizantes, a proteção contra o hiv previne um bocado da dor e do sofrimento de quem deseja simplesmente amar e ser amado. A mensagem deste vídeo é "proteja-se e viva o suficiente para encontrar o verdadeiro amor".  

 


A prevenção como um hábito que deve ser adotado desde sempre e para sempre.

Vale lembrar: contra o hiv e a aids não há vacina nem cura, a prevenção é ainda a única opção. Usar preservativos SEMPRE e evitar comportamentos de risco são fundamentais. 

Este vídeo é uma campanha da AIDES, veja aqui o site deles.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Diretamente da novela das 8

Dois depoimentos interessantes sobre viver a vida com hiv: clique aqui!



quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Cidadão Betinho

Esta frase resume a vida e a obra de Herbert de Souza, o Betinho. Encontrei por acaso um hotsite do Ministério da Saúde dedicado a este homem, uma das vítimas da aids que mais se expôs na mídia brasileira por sua luta contra a doença e o preconceito, fundador da Abia, do Ibase (foi um dos precursores da internet no Brasil!) e coordenador da Ação pela Cidadania contra a Fome e a Miséria, tendo se destacado como grande representante dos direitos do cidadão e com atuação inclusive na defesa do meio-ambiente.

No hotsite do Ministério da Saúde, é possível conhecer melhor o pai, a pessoa, o intelectual e o incansável batalhador pela dignidade humana em todos os contextos. Vale a pena dar uma olhada.

Seus textos são muito lúcidos e inspiradores, mostrando como a revolta e a desesperança não contribuem para nenhum resultado positivo.

Destaco aqui o último parágrafo de seu texto "Direitos Humanos e Aids":

Mas gostaria de terminar, dizendo o seguinte: creio que podemos transformar a tragédia da AIDS, da enfermidade e da doença num desafio, numa oportunidade, numa possibilidade de recuperar na nossa sociedade, em nós mesmos, em cada um de nós e em todos nós, o sentido da vida e da dignidade. E, com esse sentido da vida e da dignidade, seremos capazes de lutar pela construção de uma sociedade democrática, de uma sociedade justa e fraterna. 

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Muito prazer, sexo sem DST

O Ministério da Saúde lançou hoje a campanha "Muito prazer, sexo sem DST":



Depois de um levantamento que revelou que 10,3 milhões de brasileiros já tiveram algum sinal ou sintoma de DST, esta campanha visa conscientizar sobre algumas questões importantes relacionadas ao problema:

- como reconhecer os sintomas

- a necessidade de procurar tratamento

- o perigo da automedicação

- a importância de alertar o(s) parceiro(s) ou parceira(s)

- os problemas causados pelas DSTs aumentam em 18 vezes o risco de infecção pelo hiv

- os fatores de risco: homens são mais propensos a terem algum sinal ou sintoma de DST, homens que fazem sexo com outros homens têm o dobro de chance de terem DSTs e pessoas com mais de 10 parceiros na vida têm chance 65% maior de ter um antecedente relacionado a DST

Bacana mesmo é o sistema de alerta anônimo que o site disponibiliza para as pessoas que quiserem avisar a seus parceiros ou parceiras que descobriram ter DST sem se expor. O texto diz algo assim: "Oi! Não sei se essa é a melhor forma de dizer, mas descobri que tenho uma DST. Fui numa Unidade de Saúde, procurei um médico e já estou me tratando. Acho que você deveria fazer o mesmo." Simples assim. Pode parecer loucura, mas é muito difícil fazer isto e este sistema anônimo pode ajudar muito a reduzir o número de pessoas portadoras de DSTs que não se tratam.

Encontrar uma verruga ou uma lesão na região genital causa um incômodo muito grande, uma sensação de estar impuro e até mesmo uma certa vergonha. Já é difícil lidar com isso sozinho trancado no banheiro, imagine ter que ir a um serviço de saúde. Agora, imagine ter que contar isso para um parceiro! É muito difícil.

Quando eu me descobri hiv+, fiz a minha parte sem criar muito alarde: informei à pessoa que possivelmente me infectou que eu tive um probleminha de saúde na região genital depois de nossa relação e que ela deveria procurar um médico. Sem mentira nem escândalo, não entrei em detalhes, mas dei meu recado pelo messenger. (Os demais parceiros, eu avisei pelo telefone mesmo.) Nem todo mundo tem essa facilidade ou coragem, por isso um cartão virtual anônimo pode ser uma mão na roda. 

Quem achar que tem ou teve algum sintoma de DST deve procurar um profissional de saúde ou se dirigir a um dos serviços especializados em DST do SUS: veja aqui os endereços.

Então fica combinado assim: fique ligado no seu corpo; qualquer suspeita de DST, procure um serviço especializado; faça o tratamento; avise ao seu parceiro ou sua parceira para fazer o mesmo.

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UPDATE: Problemas técnicos tiraram o site do ar

Parece que o site foi um sucesso tão grande que tiveram que tirá-lo do ar para manutenção. Espero que não esteja sendo usado para brincadeiras de (muito) mau gosto, mas enfim, vamos torcer para que volte logo.

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UPDATE 2: hoje (2a. f.  24-ago-09) o site amanheceu funcionando normalmente, espero que continue assim!

http://www.aids.gov.br/muitoprazer/

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

good news


Notícia no site BBC News: a estrutura do genoma do hiv foi decodificada.

Parece que isso pode trazer grandes avanços em terapias que neutralizem a ação do bichinho ou até mesmo que venham a destrui-lo.

Acho que essa vale estourar um champã!

sábado, 18 de julho de 2009

Chega mais!


Imagine como eu, hiv+, me sinto com relação ao contato íntimo com outras pessoas. Algumas amigas que não sabem do meu status insistem em me dar estalinhos ao me cumprimentar e isso me incomoda (como reagirão o dia em que souberem?). E sei muito bem que posso representar uma grande ameaça a muitas pessoas e não as julgo por isso, há um grande estigma que pesa sobre soropositivos que gera muito medo de contato íntimo. Agora, imagine só como seria um mundo em que qualquer proximidade fosse uma ameaça, sem  necessariamente haver contato físico. É mais ou menos isso que está começando a acontecer agora.

Outro dia peguei a ponte aérea e fiquei meio apavorado. Andava pelo saguão do aeroporto e se alguém espirrasse ou tossisse, mudava minha rota para passar longe daquela nuvem de perdigotos e sabe-se lá quais outros elementos. Durante o vôo, um gajo na próxima poltrona após o corredor tossia a cada 20 segundos, uma tosse discreta e continua. Quase estendi a mão para sentir a temperatura em sua testa, mas me contive. Fui respirando cada vez mais raso, experimentando uma leve apnéia até virar-me pro lado esquerdo, onde uma senhora decidiu tossir depois de chupar uma bala de caramelo -- e fiquei tranquilo, afinal era apenas o açúcar da bala arranhando a garganta da vovó. Mas com certeza teria sido melhor viajar num avião sem tossedores.

Hoje num site de notícias: "Jovens de Osasco fogem de gripados na balada -- quem espirrar dificilmente conseguirá beijar na boca." 

Era só o que faltava: as pessoas terem mais medo de contato umas com as outras. O medo de contato íntimo-sexual dará lugar ao medo de respirar próximo de outras pessoas! Nada de cinema, teatro, shows... as pessoas terão pânico de tomar transporte público, acredito até que haverá casos de agressão a pessoas que viajem tossindo e com febre. Vai ser uma loucura!

E veja bem, as orientações são o básico de higiene e etiqueta: cobrir a boca com um lenço ao tossir e espirrar, lavar as mãos, evitar ambientes fechados com muita gente. Tudo muito razoável.

Eu cresci tomando banho de chuva e andando descalço dentro de casa e no quintal. Hoje, nos dias de frio saio do banho e coloco uma touca de lã para não pegar "friage", tento sempre ter um guarda-chuva à mão (perco uns 4 por ano), em casa uso pantufas no inverno e chinelos no verão, lavo as mãos algumas vezes por dia e agora ando com uma máscara N95 na mochila. Ah, e preciso pegar um gel de álcool antisséptico para levar comigo também! Ou seja, estou me tornando uma tia velha toda noiada e cheia de frescura!!

Que vontade de largar tudo e ir para uma praia distante, usar pouca ou nenhuma roupa, tomar banho de sol e chuva, sentir o cheiro da maresia, correr na areia descalço, dormir de janela aberta e sem muita coberta... :-)

Para descontrair um pouco:

sexta-feira, 17 de julho de 2009

sexo e hiv

Este post vem sendo escrito há meses, tendo gerado muitos outros posts, mas só agora encontrei uma forma de desenvolver este assunto sem ficar muito longo nem cansativo (espero que tenha êxito).



Há uma forma de se deter a pandemia de hiv: impedindo novos contágios com a prevenção absoluta de todas as relações sexuais. Certo? Mas há quem estenda essa noção para outras soluções um tanto, digamos, mais radicais. Por exemplo, já houve quem sugerisse colônias de hiv+ para isolar os contaminados e preservar os soronegativos, como as que fizeram para os leprosos. Já vi também idéias intrigantes, como tatuar os soronegativos de forma que as outras pessoas possam saber que se tratam de um perigo em potencial. Ok, essa idéias, além de inviáveis, tangenciam o nazismo e outras ideologias extremistas.

Mas há quem de fato acredite que a melhor forma de conter a pandemia de hiv seja perseguindo judicialmente e penalizando os hiv+ que mantiverem relações sexuais com soronegativos, expondo-os ao risco de contaminação -- isto é, sem informar seu status sorológico, mesmo que a relação sexual seja 100% protegida do início ao fim (na Nova Gales do Sul, na Austrália, o soropositivo é obrigado a revelar seu status a todos os seus parceiros sexuais). Há, inclusive, quem defenda que seja tipificado criminalmente o soropositivo ter relações sexuais com qualquer soronegativo, mesmo que ele revele seu status sorológico e o soronegativo consentir em fazer sexo com ele (protegido ou não). Pode-se perceber que há um grande número de variáveis para responsabilizar o soropositivo e há várias razões para se lidar com cada caso sem que haja um tipo legal que condene a um hiv+ a nunca mais ter relações sexuais na vida (ou que tenha que encontrar parceiros igualmente positivos). 

Exemplos como a festa em que dois soropositivos drogaram os convidados e infectaram um a um com uma seringa (!) ou de homens e mulheres soropositivos que mantiveram relações sexuais desprotegidas com diversos parceiros que ignoravam estarem sendo expostos são casos extremos. É claro que a intenção de contaminar outrem deve ser criminalizada, e o criminoso deve ser julgado e condenado por isso. Mas há tantos outros casos que não podem se enquadrar no mesmo tipo penal e deve-se ter muito cuidado para não se presumir que todo soropositivo com vida sexual ativa é um criminoso.

No Brasil, é crime expor pessoa a doença infecto-contagiosa (art. 130 e ss do Código Penal) e a letra da lei é gozada: para configurar crime, a pessoa sabe ou "deve" saber que está contaminado. Ou seja, mesmo que ela não tenha feito exame algum, se ela tiver fortes razões para imaginar que está contaminada já é suficiente para ser enquadrada no artigo 130. A intenção de infectar é uma agravante, mas tudo isso cai no velho problema de como provar o que se alega.

Aí vem o caso dos bug chasers e gift givers: afinal, se uma pessoa quiser se infectar, quem a infectar pode ser responsabilizada? Há quem considere que isso seja equivalente ao crime de auxílio ao suicídio. Há também quem considere o hiv um estado crônico controlável, não mais uma pena de morte. E isso talvez alivie a barra do giftgiver, mas ainda assim é uma questão que merece muita reflexão e bom senso. O que vale é conter essa pandemia e evitar novos casos.

Toda lei visa regular as relações sociais e interpessoais para evitar danos e prejuízos entre as pessoas, estabelecendo direitos e deveres para que a convivência seja harmoniosa -- ou pelo menos minimamente traumática. No caso de se criminalizar a transmissão de DSTs, há que se levar em consideração que um mínimo de senso de ética deve estar presente quando duas ou mais pessoas se encontram, principalmente quando há grande intimidade física e emocional envolvida.

Para haver um contágio são necessárias duas pessoas e, salvo estupro e outros casos especiais, todo soronegativo tem o poder de reduzir a quase zero suas chances de ser contaminado em relações sexuais (eu não teria me contaminado se tivesse seguido a cartilha sem infringir nenhuma regra de segurança). 

A realidade é a seguinte: há 25 anos o mundo teve que mudar, as pessoas foram obrigadas a adotar uma postura inteiramente nova no tocante à intimidade e ao exercício da sexualidade. Usar camisinha tornou-se imperativo em todas as relações e cada vez mais deve-se presumir que o outro é soropositivo mesmo que tenha na mão um papel que diga o contrário (tem a tal da janela imunológica, lembra?). Na grande maioria dos casos (relacionamentos monogâmicos serão discutidos noutro post, ok?), os contágios resultam da negligência de ambas as partes: alguém transmitiu o vírus (poderia não saber, mas deveria imaginar estar contaminado) a alguém que se expôs à contaminação (por ter confiado no outro ou por imprudência mesmo). No geral, onde há um culpado, há uma vítima com uma considerável parcela de responsabilidade pela contaminação sofrida, seja por ter cedido ao calor do momento, seja por ter estado sob a influência de álcool ou drogas, seja pela razão que for, mas todo mundo sabe que existem DSTs e que é dever de cada um se proteger delas.

(to be continued...)

quarta-feira, 3 de junho de 2009

surpresas

Então ele veio me visitar pela primeira vez depois de saber de meu status. Entrou no carro todo feliz, com uma excitação na voz que aceleradamente tentava expressar um grande fluxo de idéias e sentimentos. Disse que na noite anterior, depois de nos falarmos ao telefone, ligou a tv e estava passando o documentário do Stephen Fry, Hiv and Me (post sobre este doc aqui). "Ele é um cara do seu tempo, ele está ligado na contemporaneidade... e esta é uma doença contemporânea, temos que conviver com ela e aceitá-la até mesmo para poder combater sua propagação. Eu posso estar contaminado e nem saber, qualquer um pode!" Ele sempre consegue me surpreender! Conversamos um bocado sobre o Fry e esta questão toda, um papo que rolou naturalmente e com muito carinho de parte a parte. Ele estava certo de sua escolha: estamos juntos nessa. 

No restante do tempo, tudo fluiu naturalmente, até o sexo foi bem natural e sem neuras. Mas um dia de manhã, ao acordar, ainda de olhos fechados ele falou: "Se eu estiver positivo você vai me ajudar, me orientar como lidar com isso?" Atonitamente, perguntei: "Por que você está falando uma bobagem dessas?  Por que esse assunto agora?" E ele: "Nada, apenas penso que pode ser uma possibilidade, a gente nunca sabe...."

Não fiquei com mosca atrás da orelha até porque nosso diálogo não deixa muita margem para pirações e mensagens subliminares, então deixei rolar.

Contudo, se todos tivessem a consciência da importância de fazer o exame anti-hiv e saber seu status, com certeza muita coisa poderia mudar na progressão desta pandemia. Eu fiquei sabendo num exame de rotina, jamais esperaria um resultado positivo àquela altura. Imagino que muitas outras pessoas poderiam igualmente se surpreender e poder lidar com o problema, acompanhando a progressão da doença e evitando o pior. C. me prometeu que vai fazer o exame em breve.

Voltando ao Rio, ele foi ao clínico que atende sua família para ver uma gripe persistente e pegar pedido para o exame. Eu não sei o que o médico falou, mas detonou alguma crise nele. De alguma forma, a reação do médico fez com ele que ficasse pirado mas ele não me falou nada (passada a crise, ele só conseguiu me dizer que o médico foi "moralista").

Sem transparecer nada para mim, sem me contar nada, ele lidou sozinho com essa crise até ir ver o terapeuta dele, dois dias depois. Talvez por também ser médico, mas certamente por ter uma empatia maior com C. e não ser tão "moralista", ele conseguiu ajudá-lo a colocar a cabeça em ordem. Só então, na véspera de voltar a me ver, C. me contou que algo havia se passado, mas não entrou em maiores detalhes. Pedi que, sempre que possível, ele se abrisse comigo e falasse sobre os medos e anseios que pudessem surgir em relação ao meu status e nosso relacionamento. Mas também falei que nem sempre é possível lidar com esses conteúdos em tempo real.

Foi quando eu soube que ele teve dois sonhos (que não quis me contar em detalhes) e que ele havia se sentido incomodado porque depois de saber de meu status, ele mudou um pouco seu comportamento na cama comigo -- o que reparei e achei absolutamente normal, mas ele ficou incomodado talvez por achar que deveria ter sido mais natural -- o que neste contexto quase significaria ser menos zeloso.

Quando nos revimos, nosso reencontro correu muito naturalmente, passamos o dia juntos, estivemos em Campos do Jordão onde comemos um fondue super romântico, passamos momentos ótimos sempre conversando muito e se curtindo muito, mas não chegamos a tocar no assunto em nenhum momento. À noite, quando voltamos para casa, uma surpresinha para mim: uma sacolinha de presente cheia de camisinhas com sabor. Fiquei muito emocionado com o gesto e o cuidado dele.

Para quem não convive diretamente com o problema, pode não fazer muito sentido, mas para mim foi uma expressão de muito carinho e amor, um detalhe que pode fazer muita diferença e tornar nossa sexualidade mais natural e gostosa, sem neuras nem incômodos.

A questão do sexo oral e hiv é um tanto esquisita porque mesmo sabendo que há riscos (obviamente não mensuráveis), quase ninguém toma cuidado com a prática de sexo oral 100% protegido (do início ao fim) -- a não ser que tenha certeza que o parceiro seja realmente soropositivo. Num relacionamento sorodiscordante, tomar esse cuidado é muito importante, mas para mim foi uma surpresa ele ter vindo com essa solução criativa e gostosa de uma forma tão carinhosa: o presente era para mim, não foi um recurso que ele sacou da manga na hora H, entendem? E eu me senti realmente presenteado por saber que estou com uma pessoa disposta a estar comigo sem abrir mão do prazer nem da segurança. 

Quanto ao médico moralista, sei que há muitos por aí que não apenas não entendem a questão do hiv no contexto homoafetivo assim como há até cirurgiões que se negam a operar um soropositivo que precise de uma cirurgia. A ignorância (e consequentemente, o medo) não é exclusividade dos que não têm acesso à informação. O que torna nossa luta contra o preconceito ainda maior, pois sempre se acreditou que campanhas informativas seriam suficientes para erradicar os estigmas da doença -- um fator-chave no combate à sua disseminação.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

voando

Depois de um período de férias, precisei de alguns dias para aterrissar de verdade. Mas quando estava já me readaptando à vida real, me apaixonei e decolei de novo. E continuo nas alturas!!

Há cerca de 3 semanas, fui visitar minha família e um amigo me chamou para ir a um show e para levar mais alguém porque tinha convite sobrando. Tentei uns dois ou três amigos que não estavam disponíveis pois estava muito em cima da hora e todo mundo já tinha algum compromisso. Liguei para C., um amigo querido que conheço já há 13 ou 14 anos, e ele aceitou prontamente. Nós nos víamos esporadicamente, umas 2 ou 3 vezes ao ano e já havia rolado um trelelezinho entre nós em janeiro, mas nada além de um sexo gostoso entre amigos. Hehehehe....

Quando fui pegá-lo de táxi para irmos ao show, o vi de longe e pensei "uau, ele está muuuito interessante!" Colocamos o papo mais ou menos em dia até chegar ao local do show e lá encontramos com meu amigo e o namorado dele, já com os convites na mão. Entramos e sentamos. C. e eu pedimos umas cervejas e fomos conversando mais, colocando mais o papo em dia e eu não conseguia deixar de desejar beijar aquela boca. O show começou, tudo correndo bem e ele começou a comentar sobre algo que não estava gostando muito no espetáculo. Eu inclinei para frente para ele poder falar ao meu ouvido e quando ele começou a falar eu virei o rosto e o beijei. Ele tentou continuar a falar mas sem sucesso porque eu o beijei muito mais intensamente do que ele estava esperando. E ficou tudo por isso mesmo. Quer dizer, pelos próximos 20 minutos, porque logo ele me atacou e me beijou. O clima estava ficando quente e dali fomos tomar mais cerveja e, depois, a um motel. Um clima de total tesão romântico (ou romance tesudo?) e viramos a noite juntos. Foi incrível. Ele me deixou em casa já dia claro. 

Voltei para casa no outro dia e mantivemos algum contato durante a semana, quando ele falou em vir me visitar no fim de semana. Adorei a idéia, seria muito bom revê-lo. E ele voltou no fim de semana seguinte -- este agora que passou. Só que desta vez a coisa ficou bem mais séria e oficializamos o namoro em total clima de paixão e juras de amor eterno. Mas aí começou meu drama: o melhor momento e a melhor maneira de lhe falar sobre meu status sorológico. Titubeei diversas vezes enquanto ele esteve aqui, depois ao telefone, por email. Ontem de manhã decidi que não poderia esperar mais. Escrevi um email -- e não mandei. Mandei um sms para confirmar se ele estaria em casa e liguei para ele. Depois de algum rodeio, falei. 

Ele levou um susto, isso ficou bem claro -- também, quem não levaria? -- mas em seguida ele retomou o fôlego e falou "cara, isso para mim não muda nada, é uma situação que exige controle e cuidado, mas não muda o que sinto por você nem meu desejo de estar contigo". No fundo, eu já esperava uma reação semelhante, mas não deixou de ser impactante ouvir essas palavras -- afinal, foi a primeira vez que passei por isso na vida. Fiquei muito feliz mas lhe disse "tome seu tempo para digerir essa informação e vamos nos falando. Se você quiser conversar a respeito, me perguntar qualquer coisa, falar qualquer coisa, estou aqui". E fui fumar um cigarro (sem censura anti-tabagista, pliz!). Duas horas depois, um sms: "meu amado, vc está no meu coração. Te amo, cara." Putaquiupariu, eu não sei quando nem onde foi exatamente que eu acertei as contas com o Universo, mas pelo visto fiquei com um puta crédito com o Responsável por isso tudo.

À noite conversamos mais, ele falou que muita coisa começou a fazer sentido, minha postura durante o sexo, como eu impedia que certas coisas acontecessem e ele percebeu o quanto que eu já o vinha protegendo (ainda volto a escrever mais sobre hiv e ética). E falou que o fato de eu ter falado para ele por si só era uma grande prova de amor, como esse problema poderia ser tão pequeno em relação a algo muito maior que estamos vivendo.... nossa, foi lindo, eu fiquei passadíssimo com a postura dele, a abertura para falar sobre o assunto, sua receptividade e, acima de tudo, o amor que ele demonstrou não apenas por mim, mas pelo ser humano, pela humanidade, pelo outro, por todos. Um verdadeiro senso de alteridade amoroso e muito solidário. Ok, vocês podem dar um desconto porque estou apaixonado, mas mesmo com esse desconto é uma pessoa que tem muito a dar para o mundo, que bom que estou ao lado dele para poder receber parte de todo este amor que ele traz dentro de si.

Por isso ainda não aterrissei totalmente e espero continuar nos ares por muito tempo, muito apaixonado e muito feliz por ter encontrado uma pessoa tão incrível. Mas prometo que vou retomar a atualização do blog. 

domingo, 5 de abril de 2009

Burrocracias

Resolvi sacar meu fgts. Peguei uma declaração com minha médica e fui a uma agência da caixa longe do burburinho do business paulistano na esperança de ter um atendimento mais tranquilo e rápido. Chegando lá, a agência realmente estava bem tranquila. Pedi informação a um camarada atrás de uma mesa que perguntou se era por rescisão contratual e falei que era por doença. "Fale com o Fulano". Ok, esperei sentado numa "fila" desorganizada mas respeitada por todos que chegavam para ser atendido pelo fulano, quando um moleque de camiseta estampada e com cara e jeito de mensageiro estagiário me chamou à mesa do tal Fulano. Falei qual era o assunto e que tinha sido orientado a falar com o Fulano. O moleque falou que poderia ser com ele mesmo. Sentei esperando que pudesse mesmo.

Neste interim, o Fulano apareceu e meu atendimento foi feito pelo moleque que ia tirando dúvida com ele. Faltava um software xyz, que o moleque botou para baixar. Na mesa ao lado, um Beltrano atendia um senhor e todos olhavam para as telas dos computadores e falavam sobre os procedimentos e meu atendimento quase virou um simpósio. Até que o moleque pegou a declaração da minha médica e pertguntou ao Fulano (que deveria estar me atendendo em vez de orientar um estagiário com meu caso) "esse código daqui é o que mesmo?", referindo-se ao CID. O Fulano disse "sei lá, veja aí no guia, eu não sou dicionário, não lembro nem o que eu comi ontem!!" e todos riram e continuaram conversando alegremente.

"Putaquiupariu", pensei. "Só faltava meu atendimento ser feito de forma tão devassada". O tal programa não baixava e o moleque comentou "está tãaaaao lento...." e eu falei "pois é, e eu não posso realmente esperar taaaaaanto". Peguei meus documentos e corri para uma reunião para a qual já estava atrasado. 

Saindo da reunião, fui a outra agência da caixa, desta vez numa avenida mega movimentada, mas ainda assim a agência estava às moscas. Sempre imagino agências da cef cheias e tumultuadas com atendentes burocráticos e desinteressados. Esperei um pouco e fui atendido por um camarada mais maduro, muito simpático e atencioso que me explicou tudo, tirou todas as minhas dúvidas e demonstrou grande sensibilidade e competência, conversando sobre amenidades enquanto o processamento era feito. Um ser humano profissional e interessado, ao contrário de minhas teorias sobre repartições públicas apesar de ter tido a sorte de encontrar muita gente boa e competente exerecendo funções públicas. Senti-me à vontade para perguntar o que precisava ciente de que minha conversa com ele estava restrita àquele espaço e que ele sabia do que estava falando. Saí de lá tranquilo e aliviado por ter resolvido o assunto de forma direta e reta, sem que meu atendimento se tornasse um case para o treinamento de um molecote imaturo e sem noção e objeto de debate na agência.

A esta altura me questiono o quanto não sou paranóico demais, se não deveria relaxar um pouco e agir com mais naturalidade. Parece que eu mesmo me estigmatizo demais, que deveria ser menos duro coisa e tal. Do tipo, eu agi com muita naturalidade com o camarada que efetivamente me atendeu na outra agência, não me incomodei com nada e pude ficar relaxado durante todo o atendimento. Mas diante do ocorrido na primeira tentativa, fiquei pensando que mesmo amando o Brasil e a cidade onde moro, às vezes sinto falta da frieza ango-saxônica, daquele pragmatismo e do nível de seriedade e profissionalismo que experimentei em Londres, Nova York e Sydney, locais onde passei mais tempo do que umas breves férias.

Parece que o princípio norteador das atitudes e do comportamento da maioria dos brasileiros é um oba-oba cego e surdo e que antes fosse também mudo, mas não é. Pelo contrário, é histérico e esporrento, como os carros de som que vendem pamonhas ou compram "máquinas de lavar velhas" (sempre imaginei minha avó dando piruetas dentro d'água numa brastemp). Há uma promiscuidade energética e relacional quando o contexto exige uma postura muito mais direcionada e restrita. Pelo menos a meu ver, um banco do governo que atende pessoas com direito a benefícios por questões personalíssimas tais como falecimento, doenças e desemprego deveria ter uma conduta no atendimento muito mais séria do que pude testemunhar. Como assim "esse código daqui é qual mesmo?" na frente de outros atendentes e clientes do banco? Uma declaração médica não é foto de gol de campeonato no jogo da noite anterior e merece um cuidado um pouco maior. Fosse câncer, aids ou a doença que fosse, e ele sabe que se estou ali não é por micose na unha do dedão do pé nem por hérnia de hiato, ele não poderia expor o cliente/usuário (eu!) do sistema de benefícios do governo federal de forma tão leviana. Estou errado?

Se é possível prestar um atendimento humano e sério como o que recebi em seguida, fico satisfeito por saber que a zorra não é tão geral assim. E fico feliz por morar num país e numa cidade onde temos direitos e podemos usufruí-los dignamente, apesar de quase sempre reclamarmos do contrário. Espero que esta seja mais a regra do que a exceção.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Bomba-relógio

Ontem fui à minha médica para aquela consulta que deveria ter ocorrido há mais de 6 meses... he...

Ela olhou os exames todos, levei mais alguns antigos que não estavam na minha pastinha de exames na outra consulta e, no fim, comentou: "está tudo bem, você não tem com que se preocupar ainda..." e eu fiquei aliviado, apesar de já saber que AINDA não seria hora de me preocupar com muita coisa -- é sempre bom confirmar coisas boas.

O que causa uma certa angústia é exatamente esse "AINDA". Obviamente, as coisas estão muito melhores do que há 15 anos, quando o "ainda" prenunciava coisas bem mais sérias do que acrescentar remédios à rotina de exames de um soropositivo. Mas ninguém (e eu não seria a exceção) quer ouvir o tic-tac de uma bomba relógio, independente do tempo que ela levará para explodir.

sexta-feira, 27 de março de 2009

para rir e refletir

Como estou num daqueles dias em que nem penso no fato de ser hiv+ (tou com um enorme foda-se de neon aceso na minha testa para isso), lembrei da frase mais espirituosa que já li sobre aids:

“When God gives you aids,

(and God does give you aids, by the way)

make lemonaids.”**

— Sarah Silverman



(pode colocar um chorinho de gin?)



** Em bom português: "Se Deus te der aids, faça uma limonaids!"

segunda-feira, 23 de março de 2009

cul-de-sac


Depois de algum tempo sem maiores novidades sobre o desenrolar de meu encontro com L. (veja o primeiro e o segundo posts a respeito), a mini-série finalmente chegou ao fim. 

Continuamos em marcha lenta por todo esse tempo, veio carnaval, ele viajou a trabalho por 10 dias, enfim, um devagar e sempre bem xoxo. Mas eu também tinha minhas razões para querer seguir assim.

Primeiramente, ainda estou me recuperando de uma separação muito traumatizante, um relacionamento que era baseado na química sexual e só, mas que deixou sequelas um tanto profundas. Desta vez eu havia conhecido um cara com quem havia muitas afinidades e poderíamos acrescentar muito um ao outro, mas a química não era tão forte -- tá, falando bem francamente, não parecia haver química alguma mas nem tivemos tanta oportunidade de experimentá-la.

Segundamente, esse lance da química eu atribuo, pelo menos em parte, à minha dificuldade de lidar com o fato de ser hiv+ e estabelecer um espaço de intimidade tão rapidamente. Aquele dilema: conto logo de cara ou espero para ver se vale a pena contar? Se não fosse contar logo de cara, não poderia criar muita intimidade sem estabelecer limites muito claros para não expô-lo. Como estávamos em marcha lenta, não sabia se esperava algum momento certo, se é que haveria tal momento (na verdade houve, mas ele me interrompeu e pediu para não falar mais nada, o que foi um alívio para mim!).

Por outro lado, havia a questão da disponibilidade dele que, por ter um estilo de vida muito corrido, dividido entre duas cidades e com muitos problemas de trabalho, era um pouco difícil ter tempo para uma convivência mais próxima. Mas neste ponto eu volto à questão da química: se houvéssemos experimentado a intimidade mais profundamente e estabelecido uma ligação maior, talvez as faíscas poderiam ter acendido uma paixão mais intensa e esta disponibilidade teria sido criada.

Na verdade, entre saber se faltou entrega da minha parte ou se realmente não houve uma ligação maior por que realmente não havia a tal química, fico apenas com o que me cabe e aprendo a lição. Neste meio tempo, não deixei minha energia dispersar com outros caras, deixei de sair com outras pessoas para não comprometer ainda mais o processo que estava em andamento com L. Eu estava disposto a tentar fazer dar certo.

Então o que aconteceu foi o seguinte: na semana passada eu mandei uma mensagenzinha boba para ter notícias dele (nunca cobrei nem exigi nada dele mas também não sei como ele pode ter interpretado essa minha tranquilidade) e ele me ligou em seguida, falando que havia chegado na cidade na véspera, que havia vindo meio que de surpresa, decidiu num rompante para ir ao aniversário de uma grande amiga e tinha ido dormir bem tarde, mas que estava pensando em mim quando eu mandei o sms, incluindo um elogio parecido com «como sempre, você manda mensagens muito inteligentes». Eu quase ri, porque só faltava ele emendar e falar aqueles clichês todos de quem está dando um toco: «você é uma pessoa maravilhosa, você é incrível, por favor me entenda, o problema não é você, sou eu! Estou num momento em que preciso ficar comigo mesmo, estou com saudades de mim!» e blá blá blá... mas apenas marcamos um encontro para aquela noite mesmo. 

Fomos ao teatro e depois jantamos com amigos dele. Tudo normal como sempre, nada de diferente nem fora do padrão, apenas uma discussão calorosa porém saudável sobre política antes de entrarmos na peça. Lá pelas tantas ele fez um comentário sobre sua rotina agitada que deu a entender que sua vinda havia sido planejada um pouco antes do que ele havia sugerido pelo telefone naquela manhã. Engoli em seco e deixei rolar.

Quando fui deixá-lo em casa, parei o carro e apenas disse «fala» e ele começou com algum rodeio, mas nem bateu a marca dos 10 segundos e desembuchou: «eu achei que estava num momento para ter uma relação mas pelo visto me enganei...». No afã de evitar a clichezada que se anunciava com um rufar de tambores ensurdecedor, fui um pouco mais incisivo «você não está disponível, L.» e ele «é isso, não estou disponível...» e eu falei «ok». Aí, ele meio que desbundou um pouco e falou «ok?» e eu falei «ok». Já havia digerido aquela coisa toda e não estava a fim de entrar em discusssões filosóficas nem falar nada que pudesse soar como uma defesa ou, pior, um contra-ataque.

Despedimo-nos com um selinho bem rápido, lhe desejei boa sorte com tudo e ele saiu de maneira meio desajeitada do carro, como se procurasse algo que não poderia esquecer ali, mas não havia nada e perguntei «você quer levar mais o quê?». Não foi minha intenção, mas ficou no ar um sentido dúbio para aquela pergunta. He...  Antes de fechar a porta, ele ainda fez aquele movimento de colocar a cara para falar mais alguma coisa, mas recuou e se foi. Esperei 4 segundos para engatar a primeira e fui embora. Acho que batemos o recorde do toco mais rápido do mundo, sem drama nem enrolação.

Meu primeiro impulso foi tentar perceber se havia alguma dor naquele «rompimento». Mas aparentemente eu não estava sentindo nada em relação a ele, apenas lamentava o fato de não ter dado certo sem nem saber se o fracasso se deveu ao meu medo e minha postura defensiva. Por outro lado, um certo alívio por não ter revelado antes meu status sorológico porque se ele realmente não estava disponível, nada no mundo me tiraria da cabeça que ele teria pulado fora por causa disso. Um cigarro, eu só precisava de um cigarro. Porra, nem estava fumando, mas uma fumacinha ajudaria a sufocar um bocado fosse lá o que estivesse se passando comigo naquele momento -- dor? medo? alívio?

Obviamente, não sou tão ingênuo a ponto de comprar aquele papo todo, mas achei muito digno e delicado o modo como ele tratou a questão. É claro que ele realmente está num momento crítico da situação profissional e tudo mais, mas se a tal química estivesse ali bombando, tudo se organizaria para o tal momento de viver uma relação se materializar. Daí volto à questão de o quanto que minha posição mais retraída não impediu que a paixão surgisse, o quanto que meu medo não foi um peso morto para impedir que a relação deslanchasse? Ou não?

Como os relacionamentos em regra começam por um processo de apaixonamento intenso que cega e ilude as pessoas, trazendo aquela necessidade de estarem juntas e o desejo ou disponibilidade de abrir mão de (quase) tudo para fazê-lo, talvez uma abordagem diferente possa ter causado estranheza e levado à interpretação de que não haveria muito futuro num encontro em que as coisas aconteçam mais tranquilamente. E pode um encontro assim, mais tranquilo, levar a algum lugar? E permitir a criação de um relacionamento baseado na amizade e na confiança, no interesse mútuo e no desejo de construir algo juntos, sem passar necessariamente pelo apaixonamento intenso? Ou será que escolhi essa abordagem apenas para me preservar da questão de revelar meu status sorológico logo de cara? Enfim, muito para se refletir e me preparar para o próximo encontro.

Não sei nem nunca vou saber as respostas, nem mesmo se minha indiferença é uma defesa ou se realmente não havia muito leite para se espremer daquela pedra.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Direitos do portador de hiv/aids


Fiquei na dúvida de como abordar os direitos das pessoas com hiv/aids de forma concisa, mas sem deixar de fora nenhum aspecto importante. Não consegui, então vai na forma cheia mesmo mas abusei dos branquitos para facilitar a leitura. (no site da Roche há um bom resumo de tudo que diga respeito aos direitos do portador de hiv/aids)

A UNAIDS é o programa das Nações Unidas para hiv/aids e estabelece políticas e diretrizes para que os portadores de hiv e aids sejam protegidos, respeitados e tratados no âmbito de seus direitos individuais e coletivos. De maneira geral, o site da UNAIDS é muito completo e abrangente no tocante a esse assunto, incluindo muitos dados atualizados sobre a situação do hiv e da aids no mundo inteiro, das políticas para o combate, a prevenção e o tratamento. A seção de direitos humanos e hiv é beeem concisa (acho que vou fazer um estágio com eles!! hahahahaha!! tenho que aprender a enxugar meus textos urgentemente!!!) e aproveito alguns itens destacados por eles que resumem bem a essência dos direitos do portador de hiv/aids:

Non-discrimination and equality before the law : right not to be mistreated on the basis of health status, i.e. HIV status
Right to health : right not to be denied health care/treatment on the basis of HIV status
Right to liberty and security of person : right not to be arrested and imprisoned on the basis of HIV status
Right to marry and found a family , regardless of HIV status
Right to education : right not to be thrown out of school on the basis of HIV status
Right to work : right not to be fired on the basis of HIV status
Right to social security, assistance and welfare : right not to be denied these benefits on the basis of HIV status
Right to freedom of movement , regardless of HIV status
Right to seek and enjoy asylum , regardless of HIV status

Lembrando que alguns países ainda restringem a entrada de turistas hiv+ e muitos não concedem vistos de estudo e trabalho para portadores do hiv. Isso, para não falar nos países onde estrangeiros hiv+ são presos e deportados!!

Em 1989, foi declarada em Porto Alegre a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da aids. Trata-se de uma declaração de direitos inspirada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual vieram todas as outras declarações de direitos: das quebradeiras do côco do babaçu, dos peixes ornamentais, dos domadores de feras de circo etc.

Destaquei alguns aspectos que considero importantes e que devem ser levados em consideração por hiv+ e seus amigos, familiares e médicos, tais como o direito ao sigilo, à privacidade, ao convívio social e a uma vida normal, sem ser discriminado nem excluído por sua condição.

I - Todas as pessoas têm direito à informação clara, exata, sobre a aids. Os portadores do vírus têm direitos a informações específicas sobre sua condição.

II - Todo portador do vírus da aids tem direito à assistência e ao tratamento, dados sem qualquer restrição, garantindo sua melhor qualidade de vida.

III - Nenhum portador do vírus será submetido a isolamento, quarentena ou qualquer tipo de discriminação.

IV - Ninguém tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das pessoas pelo único motivo de serem portadoras do HIV/aids, qualquer que seja sua raça, nacionalidade, religião, sexo ou orientação sexual.

V - Todo portador do vírus da aids tem direito à participação em todos os aspectos da vida social. Toda ação que tende a recusar aos portadores do HIV/Aids um emprego, um alojamento, uma assistência ou a privá-los disso, ou que tenda a restringi-los à participação nas atividades coletivas, escolares e militares, deve ser considerada discriminatória e ser punida por lei.

VI - Todas as pessoas têm direito de receber sangue e hemoderivados, órgãos ou tecidos que tenham sido rigorosamente testados para o HIV.

VII - Ninguém poderá fazer referência à doença de alguém, passada ou futura, ou ao resultado de seus testes para o HIV/aids sem o consentimento da pessoa envolvida. A privacidade do portador do vírus deverá ser assegurada por todos os serviços médicos e assistenciais.

VIII - Ninguém será submetido aos testes de HIV/aids compulsoriamente, em caso algum. Os testes de aids deverão ser usados exclusivamente para fins diagnósticos, para controle de transfusões e transplantes, e estudos epidemiológicos e nunca qualquer tipo de controle de pessoas ou populações. Em todos os casos de testes, os interessados deverão ser informados. Os resultados deverão ser informados por um profissional competente.

IX - Todo portador do vírus tem direito a comunicar apenas às pessoas que deseja seu estado de saúde e o resultado dos seus testes.

X - Toda pessoa com HIV/aids tem direito à continuação de sua vida civil, profissional, sexual e afetiva. Nenhuma ação poderá restringir seus direitos completos à cidadania.

O link para essa declaração está aqui (site do Ministério da Saúde).

Mas como esses direitos repercutem na vida real?

Cabe ressaltar que há diferença entre ser portador do hiv e paciente de aids, sendo óbvio que o segundo tem todos os direitos que o primeiro (ex. levantamento do FGTS) e alguns outros (ex. auxílio-doença e levantamento do PIS/PASEP), de acordo com seu estado de saúde.

Direitos reservados aos portadores de HIV/AIDS

 

quinta-feira, 19 de março de 2009

The Body


Só agora percebi que nunca havia linkado este blog ao site considerado como maior fonte de informação sobre hiv e aids: The Body. Além de conceituado, é um dos mais recomendados pelos médicos em geral.

O curioso é que na parte de notícias, o maior destaque hoje é Washington D.C., que atualmente se destaca como a cidade com um aumento assustador de casos de hiv. No início desta semana, eu já havia lido na BBC a respeito, mas pelo visto a repercussão do problema está sendo muito maior do que eu imaginava.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Dark Was The Night




A Red Hot Organization comemora 20 anos de atividade com seu 20º projeto, "Dark Was The Night" (ao lado, você poderá ouvir 3 das 31 faixas do cd duplo).
Red, Hot + Blue foi um divisor de águas na vida de muitos jovens que entraram em contato com a música de Cole Porter através de artistas incríveis como Deborah Harry, Iggy Pop, David Byrne, Sinead O'Connor, kd lang, U2, Erasure, Annie Lennox e muitos outros.
Toda a renda dos projetos Red Hot são revertidas para pesquisas e campanhas de conscientização e prevenção do hiv e aids.

Abaixo, o vídeo de I've Got You Under My Skin, com Neneh Cherry (direção de Jean-Baptiste Modino).





sábado, 7 de março de 2009

HIV Stops With Us

Está muito bonita a campanha HIV Stops With Us -- que antes era HIV Stops With Me . Os depoimentos são muito tocantes e é interessante conhecer soropositivos que estão na luta para conter a doença e reduzir o ritmo das novas infecções.

A campanha é voltada à conscientização de hiv+ no controle de novos contágios, mostrando a importância de proteger seus parceiros sexuais para que permaneçam negativos. Além de elevar o senso de responsabilidade tanto dos hiv+ como dos hiv-, a campanha visa romper com estigmas e preconceitos relacionados ao status sorológico.

Não deixe de conferir:



Segredos


Meu status sorológico é um assunto muito fechado. Não tenho muito com quem conversar a respeito e as poucas pessoas para as quais revelei meu status não se sentem muito confortáveis sobre o assunto, têm medo de falar o que não devem, usam eufemismos engraçados etc. E eu super entendo, porque também já fui hiv- um dia e eu também tive que lidar com pessoas que eram hiv+ e sei que, por inabilidade ou por ignorância, deixei de falar a coisa certa ou acabei falando o que não devia ao tentar agir de forma natural demais sobre o assunto.

Recentemente fiquei sabendo de um amigo que começou a tomar o coquetel e liguei para ele imediatamente. Conversamos sobre o assunto e foi tranquilo, mas é estranho vislumbrar o futuro próximo, como se ouvisse uma daquelas músicas de filme de suspense que anuncia a chegada da ameaça que você pode até saber qual é, mas não sabe em que momento o ataque acontecerá, de que canto escuro surgirá o monstro. E não adianta correr porque, assim como nos filmes, neste contexto a fuga não levará a um lugar totalmente seguro e a qualquer instante o monstro estará à sua frente sem que ele tenha corrido um décimo do que você correu nem empreendido nenhum esforço descomunal para te alcançar.

Não sou pessimista com relação à doença -- pelo contrário, tive perto de mim uma pessoa que sobreviveu muitos anos sem tomar qualquer remédio e acabou falecendo num acidente de carro com a saúde totalmente controlada, mas preciso ser realista e pragmático ao reconhecer as possibilidades que me aguardam. Por mais que tente regular a alimentação, manter hábitos saudáveis, tomar vitaminas etc., uma carga viral mais alta e uma gripe reincidente se transformam numa insônia com uma facilidade incrível.


Sei que poderia tirar um grande proveito de uma terapia e farei isso em breve, prometi a mim mesmo, mas apesar de não viver pensando em mim mesmo como um hiv+ o tempo inteiro, há uma tensão latente que subjaz a tudo que penso, sinto e faço. Às vezes sinto como se houvesse dois de mim em mim: um que se preocupa e sofre muito por ser hiv+ e outro que não está nem aí, simplesmente administra a situação e não a encara como um problema. Pelo fato de não ter com quem conversar a respeito, nem sei se desejo falar sobre o assunto com tanta frequência, sempre me questiono qual seria o problema de revelar meu status sorológico. Nem amigos próximos sabem, salvo raras exceções pois conto nos dedos as pessoas com quem comentei sobre o assunto e já me parece suficiente.


Outro dia aconteceu um fato que me fez pensar: eu estava numa reunião de amigos, éramos no máximo uns 8, e chegou um amigo do dono da casa. Era um rapaz bem aparentado, meio embotadinho mas simpático. E quando fomos embora, uma amiga que me daria carona me falou que o tal rapaz é um primo do dono da casa que teve problemas com drogas, como isso dava pena nela blá blá blá.... sei lá, eu não queria sair de uma festa ou da casa de amigos e que comentassem algo como "tadinho, ele é soropositivo...." ou algo do gênero. Por isso evito comentar sobre meu status mesmo com amigos. Um dia posso mudar essa idéia ou percepção, mas no momento ainda prefiro assim. (No Rio de Janeiro, uma senhora nos seus 40 anos teve que sair do condomínio onde morava por sofrer ameaças e outras manifestações hostis de preconceito por parte de seus vizinhos, então não estou falando de uma paranóia extrema.)

Um amigo leitor do blog me contou sua história e eu pedi para citá-la aqui: ele descobriu há poucos meses ser hiv+ e, fazendo uns cálculos, acredita que quem o contaminou foi um ex-namorado dele que hoje é seu chefe na empresa onde trabalham. O drama: ele deve conversar com seu ex-namorado sobre o assunto? O cara é chefe dele hoje e eles ainda são amigos, mas ele não tem certeza se foi o cara mesmo! Como abordar esse assunto? Quais consequências isso pode ter para a amizade e o emprego dele? Enfim, como lidar com um assunto tão delicado num contexto tão crítico exige parâmetros e referências ainda inexistentes no que respeita a ética das relações.

Pensei muito sobre o assunto e cheguei à seguinte conclusão: as pessoas em geral devem assumir total responsabilidade sobre sua saúde, fazer exames periódicos e se cuidar sempre. No caso de jovens gays com vida sexual ativa, esse cuidado todo deve ser MUITO maior e fazer o teste, imperativo. Então, eu jamais assumiria esse ônus, ainda mais desconfiando que foi o outro que me contaminou e podendo colocar em risco meu emprego..

Não sei se é uma regra geral ou quem inventou isso, mas alguns médicos com quem me consultei me perguntaram se eu havia conversado sobre o assunto com a pessoa que teria me infectado e outros parceiros que tive depois da infecção. É óbvio que não!! Eu cheguei a falar com o cara que me infectou que logo após a gente ter transado eu tive micoplasma (o que foi verdade) e ele falou que havia feito exames para um pré-operatório e estava tudo em ordem, mas não entrei em detalhes nem no mérito de nada, só deixei a dica (espero que ele tenha procurado um médico) e nunca mais nos falamos. Quanto aos outros, eu não falei nada com ninguém, apenas com meu namorado na época do diagnóstico pois ele foi o único a quem expus o vírus, com os outros, tudo foi feito como manda o figurino, então não achei que fosse necessário sair propagando por aí meu status. Eu sempre fiz exame e penso que todos devem se testar de tempos em tempos independente de praticarem sexo seguríssimo.(Em breve, mais sobre hiv e responsabilidade ética e legal.)

À vida

Libação

É do nascedouro da vida a grandeza.
É da sua natureza a fartura
a ploriferação
os cromossomiais encontros,
os brotos os processos caules,
os processos sementes
os processos troncos,
os processos flores,
são suas mais finas dores

As conseqüências cachos,
as conseqüências leite,
as conseqüências folhas
as conseqüências frutos,
são suas cores mais belas

É da substância do átomo
ser partível produtivo ativo e gerador
Tudo é no seu âmago e início,
patrício da riqueza, solstício da realeza

É da vocação da vida a beleza e a nós
cabe não diminuí-la, não roê-la
com nossos minúsculos gestos ratos
nossos fatos apinhados de pequenezas,
cabe a nós enchê-la,
cheio que é o seu princípio

Todo vazio é grávido desse benevolente risco
todo presente é guarnecido
do estado potencial de futuro

Peço ao ano-novo
aos deuses do calendário
aos orixás das transformações:
nos livrem do infértil da ninharia
nos protejam da vaidade burra
da vaidade "minha" desumana sozinha
Nos livrem da ânsia voraz
daquilo que ao nos aumentar
nos amesquinha.

A vida não tem ensaio
mas tem novas chances

Viva a burilação eterna, a possibilidade:
o esmeril dos dissabores!
Abaixo o estéril arrependimento
a duração inútil dos rancores

Um brinde ao que está sempre nas nossas mãos:
a vida inédita pela frente
e a virgindade dos dias que virão!

À morte

Quando tive a oportunidade de ver uma exposição bem abrangente da obra de Andy Warhol, entendi como ele era visionário e sacou como a mídia seria responsável pela espetacularização das coisas mais prosaicas da vida, de hábitos de consumo à morte e o sexo.
Sua série Death and Disaster causou polêmica por usar imagens de acidentes automobilísticos, suicídios etc. Mais de 40 anos depois, uma imagem chocante como a usada em Suicide não se compara ao que testemunhamos hoje diariamente em noticiários policiais e nas manchetes dos jornais.



E foi o próprio Andy Warhol o grande precursor dos reality shows que hoje expõem toda a crueza da intimidade e das neuroses humanas e cativa a atenção e o olhar curioso de pessoas de todas as idades. Mas o que está em jogo não é o que somos nem por que fazemos o que fazemos, mas sim a busca pela fama e o sucesso. Todos querem gozar dos tais 15 minutos de fama profetizados pelo pop artista.


Jade Goody tornou-se celebridade aos 21 anos no Big Brother inglês. E ela se acostumou tanto com a vida sob o spotlight que sua morte está sendo acompanhada em tempo real por milhões de pessoas. Jade foi diagnosticada com câncer avançado em agosto de 2008 e, desde então, a mídia vem acompanhando seu tratamento, seus planos para seu próprio funeral, seu casamento às pressas... enfim, Jade ascendeu sob os holofotes e seu ocaso será igualmente espetacularizado, o grande público testemunhou o nascimento e está testemunhando a morte de uma celebridade.

Eu nunca havia ouvido falar dela antes de ser noticiada sua doença e seu casamento, mas agora há notícias sobre sua morte lenta e agonizante diante das câmeras com detalhes tocantes como o batismo seu e de seus filhos e outros elementos que, se estivessem numa novela ou numa série de TV, pensaríamos que o roteirista teria pesado a mão e apelado pro dramalhão exagerado para arrancar a todo custo lágrimas dos espectadores.
Verdade ou mentira, seu drama me faz pensar sobre esse processo inevitável que ela enfrenta tão cedo -- Jade tem 27 anos. Não critico sua escolha de vivê-lo publicamente, mas como ela consegue lidar com a iminência de seu fim? Como viver cada minuto com dor e sofrimento, sabendo que em breve tudo estará acabado -- será um alívio? Ela não mais verá seus filhos, não mais estará ao lado do homem que ama... Será que ela pensa se sentirá saudades deles? Há saudade após a morte? Há algo do lado de lá que nos mantenha ligado ao que vivemos aqui? Ou o apego é todo do lado de cá, lá só há liberdade -- ou nada?

Sempre me emociono quando vejo um vídeo de parto natural. O milagre da vida <\clichê> acontecendo ali, diante da câmera, me instiga e me faz imaginar que força superior pode ter projetado toda a complexidade e perfeição disso tudo. Mas há alguns anos vi um filme chamado Faces da Morte (não recomendo), que exibia cenas de pessoas e animais morrendo por razões diversas (doenças, acidentes, rituais etc.) e no fim do filme, um lindo rechonchudo e viçoso nada (ou corre ou engatinha) para resgatar nossa ligação com a vida e mostrar que tudo faz parte do mesmo ciclo. Mas a morte incomoda e dá medo, deixa saudades pros que ficam e revela o grande mistério a quem vai.

Toda esta temática tem estado muito presente. Por acaso ou não, tenho deparado frequentemente com os temas da eutanásia, aborto, suicídio etc. em séries de TV, sites e notícias. E me intriga muito a polêmica que esses assuntos causam e todo o questionamento religioso, ético e filosófico sobre aquilo que é comum a todos os seres vivos -- um dia, todos morreremos. Alguns ricos, outros pobres, alguns doentes, outros saudáveis... mas todos morreremos de uma maneira ou de outra. Só que algumas pessoas querem escolher como e quando, mas não podem... Final Exit é um site incrível sobre eutanásia. (Longe de fazer apologia à morte, ao suicídio ou à eutanásia, estou apenas divagando sobre o tema e não pretendo chegar a conclusão alguma.)


Como descendente de português, entendo bem a relação de apego que temos com a vida e o sofrimento. Há uma lenda medieval portuguesa que mostra como o país de nossos colonizadores se conformou com o destino final de todos e a miséria do mundo: uma senhora portuguesa com certeza, chamada Dona Miséria (quase todas as portuguesas carregam algum gene dessa senhora), recebe a visita da Morte mas consegue prendê-la em sua figueira encantada -- afinal, Dona Miséria era miserável mas não queria morrer. Com a Morte presa, o mundo começa a virar um caos -- as pessoas deixaram de morrer! -- e com muito custo, a Morte negocia sua liberação para poder ir trabalhar, garantindo que nunca levará Dona Miséria. Ou seja, a morte é um mal necessário para o mundo -- e a miséria nunca vai deixar de existir... Hahahahahaha!! Adoro a visão de mundo daquela gente pitoresca da Lusitânia!

Our mind thinks of death.

Our heart thinks of life

Our soul thinks of Immortality.

(Sri Chinmoy)

(Procure no Google Images as palavras «vida» e «morte». A primeira traz imagens coloridas luminosas, cafonas, brilhantes... e as pesquisas relacionadas são «felicidade» e «bebê». Já a segunda, traz imagens sombrias, frias, angustiantes.)

terça-feira, 3 de março de 2009

Ignorância e Preconceito

Parece novela de Jane Austen ou filme com Emma Thompson e Anthony Hopkins, mas na prática são duas coisas indissociáveis: quanto maior a ignorância, maior o preconceito -- e vice-versa.

Outro dia, uma amiga me falou que tinha conhecido um carinha que era uma graça mas que ela achava que ele fosse garoto de programa por se depilar, cuidar demais do corpo etc. (preconceito número 1). Eu falei que era bobagem, que hoje muitos caras fazem isso por vaidade e parece até que o cara era personal trainer, então isso justificava na boa. Mas ela tinha medo que ele fosse garoto de programa porque ela queria transar com ele e tinha medo que ele tivesse "aids" (preconceito número 2).
Bom, eu falei para ela que em primeiro lugar, muitos profissionais do sexo se cuidam mais do que muita gente que transa (muito) por aí sem cobrar; em segundo lugar, ela deveria tomar todos os cuidados possíveis e necessário com todos os caras que ela conhecesse, independente de idade, profissão ou status sorológico.



Uma pessoa que tem vida sexual ativa deve se informar sobre formas de contágio e usar esse conhecimento para se prevenir, se proteger e proteger a quem se ama. Ficar indiferente ou ignorante no que diz respeito ao hiv e outras doenças sexualmente transmissíveis é falta de amor próprio. Como diz Susan Sontag,

Aids obliges people to think of sex as having, possibly,

the direst consequences: suicide. Or murder.

Pode soar dramático demais, mas é mais ou menos por aí. (Mais de Susan Sontag em breve.)

Algum tempo depois ela veio me contar que tinha transado com o cara e que achou ele muito cheio de frescura (!). Pedi um exemplo e ela falou "ele não quis me beijar depois de gozar na minha boca" (!!!). Bom, nem vou entrar nessa velha questão se o homem deve ou não beijar a boca onde ele acabou de gozar, isso é problema do gozador e do gozado. Mas para uma pessoa que parecia preocupada com a profissão e o status sorológico de um desconhecido, chegar ao ponto de deixar o cara gozar em sua boca pouco tempo depois de tê-lo conhecido mostra como as pessoas continuam MUITO ignorantes (e, por conseguinte, preconceituosas) e, por isso mesmo, não estão se cuidando como deveriam.

O preconceito, doença que turva nosso olhar e entorta nossa alma, que nos

diminui e nos emburrece, é uma das enfermidades mais sérias deste nosso mundo. (...)

Se permitirmos que essa doença maligna – o preconceito, pai do ódio e

filho da ignorância – nos domine, seremos em breve o mais atrasado no círculo dos

povos atrasados, uma manada confusa obedecendo a qualquer chibata ideológica.

Lya Luft

domingo, 1 de março de 2009

Serenidade, coragem e sabedoria

"Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir umas das outras".

Considero-me uma pessoa bem informada. Leio muito: blogs, livros, diversos sites de notícias nacionais e estrangeiros, uma revista semanal... e interajo com pessoas bem informadas, vejo documentários e noticiários, enfim, fico antenado em diversos assuntos e procuro me manter a par do que anda acontecendo pelo mundo afora.
Desde que me tornei poz, me dediquei a ler mais sobre o assunto e de tempos em tempos jogo no google "hiv cure" para saber o que há de novidades em pesquisas etc. Mas uma coisa que eu não consigo ler nem por um decreto é o que há de informação sobre a evolução do quadro clínico de hiv+, estatísticas de doenças relacionadas etc. Simplesmente me aterroriza saber a incidência de determinados tipos de cânceres que, por fatalidade ou uma piada cósmica de muito mau gosto, contribuem para tornar mais miserável a luta contra o hiv e pela vida.
Mas é inevitável cair nalgum blog ou site médico que informa sobre o assunto e eu fico entre fechar a janela e seguir contemplando o que desponta no horizonte dos hiv+. Lembro de todos os filmes que vi sobre o surgimento da aids e como a doença destruiu a vida de indivíduos, famiílias e comunidades e de histórias nada inspiradoras de pessoas que se negaram a se tratar como manda o figurino, como foi o caso da cantora israelense Ofra Haza que, apesar de negado pela família, manteve em segredo seu quadro e não buscou tratamento por vergonha ou sabe-se lá por quê. (Essa versão da história foi amplamente comentada na sociedade israelense, segundo um amigo meu de lá.)
Tentei ver "Angels in America", uma premiadíssima série de 6 capítulos feita para a tv e que contou com a participação de grandes nomes como Al Pacino, Meryl Streep, Emma Thompson, Mary Louise Parker e outros. Trata-se de um drama fantástico que retrata a vida dos homossexuais e pessoas atingidas pela aids em meados da década de 80 com direito a presença de anjinhos e outras gracinhas, mas nem posso falar muito mais a respeito porque não consegui passar do primeiro capítulo. Ainda voltarei a tentar, mas realmente não tive estômago nem cabeça para acompanhar uma dramatização quase desesperadora do que foi a doença no início e o que ela ainda traz às vidas das pessoas que convivem com ela.
É claro que é importante entrar em contato com a história da doença e poder conhecer o impacto que causou na vida das pessoas pelo mundo afora. Por isso vi alguns filmes e documentários, leio tantos blogs e pesquiso na Wikipédia sobre a vida de pessoas que se tornaram célebres justamente por sua luta contra o hiv, a aids e o preconceito. Mas ver uma cena com Al Pacino se negando a aceitar o diagnóstico do médico porque ele não poderia ter aquela doença de homossexuais e drogados é muito pouco perto da cena em que o cara descobre ser soropositivo, diz que está evacuando sangue e espera o momento de morrer sem saber se seu namorado (ou amante ou companheiro) ficará ao seu lado naquela luta -- e o conflito do segundo entre ficar e pular fora... Enfim, muito intenso para qualquer pessoa sensível e muito mais para quem convive com a questão mais intimamente -- correndo pelas próprias veias, eu diria.
Por isso, sei da importância de lutar pela qualidade de vida e manter o foco em projetos construtivos, o que inclui minha saúde. Mas como sou curioso mesmo, sei que vou sempre esbarrar nas más notícias, como essa que acabo de ler no BBC Health: a evolução do hiv dificulta o desenvolvimento de uma vacina, o que pode levar décadas para se tornar realidade, pois o vírus sempre estará um passo à frente.

Por isso, digo e repito: "Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir umas das outras".

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Health Report

Publicado recentemente um estudo que aponta para boas perspectivas no tocante à terapia genética para tratar o hiv, esta notícia vem como uma lufada de ar fresco para quem, como eu, estava angustiado com a crise e a desaceleração nas pesquisas da indústria farmacêutica -- que já estão ganhando dinheiro suficiente com as drogas existentes. Obviamente, não é o caso de soltarmos fogos, mas é bom saber que ainda há muita gente trabalhando duro para encontrar uma cura.

Por outro lado, o governo chinês acabou de divulgar que a aids já lidera a causa mortis entre as doenças infecto-contagiosas, alertando para o grave problema tanto na prevenção como na assistência aos hiv+ na China. O preconceito, a falta de informação e a imigração ilegal são os maiores responsáveis por estes dados alarmantes. Em números relativos, não é algo assim tão assustador, pois trata-se do país mais populoso do mundo. Mas em números absolutos, é assustador imaginar que 7.000 pessoas morreram de aids no país somente nos primeiros 9 meses de 2008, contra 8.000 mortos nos 3 anos anteriores. Esse aparente aumento pode ser atribuído a estatísticas pouco confiáveis e até a um certo jogo duro do governo chinês em admitir estar enfrentando um grave problema de saúde pública envolvendo o hiv sem culpar os imigrantes de outros países da região que acabam encontrando na prostituição um meio de sobrevivência.

Enquanto isso, o Brasil deve iniciar a produção de mais dois medicamentos que estarão disponíveis aos hiv+ pelo SUS, ampliando as chances de tratamento para os que desenvolveram resistência ou não tiveram sucesso com os arv's já distribuídos pelo Ministério da Saúde.

Duas notícias animadoras e outra um tanto preocupante, mas as coisas parecem estar evoluindo positivamente. O importante é termos em mente nosso dever de informar e nos manter informados sobre hiv e aids.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Crossroads 2

Como nada havia acontecido desde o último post, somente agora posso contar alguma novidade.

Depois de duas semanas sem nos encontrarmos, acabamos indo ao cinema no domingo. Já dentro do cinema, começamos a ir um pouco além do que havíamos nos permitido. Sem entrar em maiores detalhes, assistimos ao filme inteiro com carícias, digamos, mais ousadas. E dali, fomos jantar mas já pensando no que faríamos depois.

E fomos para a casa dele. Como as duas semanas resultaram numa certa esfriada e as incertezas quanto ao futuro dessa relação ficaram ainda maiores, resolvi não revelar ainda meu status. E nos limitamos, mais uma vez, a curtir carícias e a intimidade sem irmos muito além disso. Ou seja, ainda estamos nos conhecendo e não chegamos às vias de fato. Hehehehe.... Tanto rodeio para dizer que a gente nao fodeu pra valer, i.e., ninguém comeu ninguém e não rolou sexo oral.  

Enfim, depois dessa noite, nos encontramos para um café antes de ele embarcar para ficar 2 semanas fora. E tivemos um papo muito bom sobre como cada um encara os relacionamentos, o que aprendemos com experiências anteriores etc. Foi muito interessante, quase uma declaração de intenções e foi nesse momento em que percebi que o caminho está aberto, ou seja, ele já se relacionou com um hiv+ e disse que não deixaria de se envolver com alguém por causa disso. Mas depois de quase duas horas de muita informação e como ele estava embarcando para passar duas semanas fora, fiquei aliviado mas não achei que seria o melhor momento de declarar meu status. Apesar disso, estou muito mais tranquilo e me sinto menos pressionado a tomar posição e temeroso da resposta.

Como é o tipo de situação que depende de muitos outros fatores, apesar da conversa que tivemos nem eu me sinto tão disponível assim, nem ele está com tanta disponibilidade por conta da vida agitada que leva dividindo-se entre 2 cidades, estamos nos curtindo aos poucos. Se nossos encontros começarem a ganhar clima de romance, a oprtunidade vai surgir e vou acabar falando antes que o envolvimento fique grande demais. Se formos continuar nessa marcha lenta, então não vou tornar isso um drama desnecessário para não desencadear um transtorno de ansiedade. He...

Em todo caso, está sendo muito bom, ainda mais depois de uma separação traumatizante e mal resolvida que ainda envolve um bocado de hostilidade (recentemente, ao perguntar ao meu ex se ele havia feito exames e se estava tudo bem, ele disse: «Estou limpinho da silva! Pode ficar tranquilo, viu? Mesmo tendo a certeza, que pra vc, se eu fosse positivo, seria muito conveniente, pois não precisaria nunca mais usar a camisinha que vc tanto odiava!» como se eu desejasse a alguém que amei/amo tanto ser infectado e pior, que eu infectasse essa pessoa!! Além disso, eu nunca detestei usar camisinha e não me infectei por ter praticado sexo inseguro a torto e a direito).

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Crossroads

Depois de conhecer e sair duas vezes com um cara muito especial, me vejo no ponto crítico que muitos hiv+ devem enfrentar: o momento certo de dizer meu status sorológico. Como ainda não tivemos relações, estamos criando a intimidade aos poucos e está tudo fluindo com muita naturalidade. Conversamos muito, vamos explorando um ao outro com cuidado e ternura, experimentando toques, abordando temas provocantes (mas pouco polêmicos) e buscando a via de relacionamento que vá além do sexo e do prazer imediato. Estamos claramente com o desejo e a intenção de formar um vínculo mais sério do que se poderia supor entre duas pessoas que se conheceram na sala de espera de um aeroporto.
Ele confessou que seu relacionamento mais recente foi com um hiv+ e que saiu desta relação com um pouco de depressão, muito envolvido na temática da doença e da morte. Falou isso sem peso nem acusações e ainda ressaltou que a relação deste ex-namorado com seu próprio status sorológico era muito complicado, o que para ele era absolutamente compreensível, ainda que pesado. Soma-se a isso mais dois ou três casos de pessoas próximas na mesma situação, o que detonou nele uma certa paranóia com relação à morte e à finitude. Não perguntei como ou por que o relacionamento terminou e ainda me segurei um pouco mais antes de falar de meu próprio status sorológico.
Hoje deverá ser o dia. Não sei se consigo ir um pouco mais além nesta dança que iniciamos sem que ele saiba com o que está lidando. É a primeira vez que passo por isso, nunca tive que confessar a alguém com quem estivesse iniciando um envolvimento para além do sexo o meu status sorológico -- e sempre tive pânico de ter que enfrentar essa situação. Mas devo confessar que está sendo tudo tão natural e gostoso que mesmo que ele não consiga lidar com isso e esta questão se torne um empecilho à relação que nem começamos ainda, já terá sido de grande valia. É sempre bom conhecer pessoas que valem a pena num mundo em que testemunhamos com frequência a sordidez humana nas relações -- sejam elas amorosas, familiares ou profissionais.
Sinto-me como um menino pré-adolescente experimentando um de seus primeiros amores, com timidez e cuidado me aproximando do outro e sem saber o momento certo de ceder totalmente ao que me chama.

Aguarde as cenas dos próximos capítulos.