segunda-feira, 17 de março de 2008

Um bate-papo. Um encontro. Um sexo inacabado. Uma grande mudança no rumo da minha vida.

Quando vi aquele lourinho sentado atrás do balcão de uma loja de celular, pensei que parecia um diabo louro -- sem nenhum ranço religioso por trás desse pensamento. Uma hora antes, conversávamos numa sala de bate-papo. Ali, trocamos meia dúzia de palavras. Horas mais tarde, estávamos na cama dele.

Com camisinha, claro. Mas não tava rolando. Ele não relaxava. Tirei a camisinha. Brincamos. Nessa brincadeira, que não chegou a ser uma penetração total nem se transformou num coito propriamente dito, o pior aconteceu.

Obviamente, só fui saber meses depois. Por um acaso. Um exame de rotina trouxe a bomba. E o pior: eu estava namorando. E transava sem camisinha. Foi um golpe e tanto.
Ele não pegou. E continuou comigo por mais de 1 ano. Terminamos por outras razões.

Solteiro, soropositivo, carente... o que o mundo lá fora me guarda? Rejeição, preconceito...
Comecei a entrar em salas de bate-papo declarando meu status. Somente uma vez alguém falou comigo, mesmo assim deixou de falar logo depois. Deve ter caído a ficha.
Eu estava saindo com um caso de outra época. Mas não queria me aproximar rápido demais. Precisaria saber se valeria a pena me expor para ele antes de dar um passo maior. Ele não deve ter entendido meu "ritmo" e se afastou, pensando ser desinteresse meu.

Pensei que nunca poderia ter um relacionamento normal, de entrega e cumplicidade. Pensei que estaria sozinho numa multidão de soronegativos, impossibilitado de ter intimidade com qualquer um de quem eu gostasse. Imaginava que soropositivos como eu estariam escondidos em lugares isolados, fechados para o mundo. E pensei que teria o mesmo fim.

Um dia resolvi entrar em sites de relacionamentos especializados para a "tribo hiv+". Todos no exterior. Tudo muito distante. Muito medo de ficar sozinho. Muito medo da rejeição... Estava conformado a sexo anônimo e sem maior exposição para satisfazer os instintos e alguma válvula de escape para a carência afetiva: um animal de estimação, um hobby, um trabalho voluntário...

Um dia entrei num site de relacionamentos gays. Anúncios em busca de sexo "ou algo mais" -- um eufemismo para disfarçar a carência e o desejo de um relacionamento estável. Encontrei muitos na minha situação. Perfis interessantes. Homens de 23 a 58 anos, todos soropositivos, buscando alguém.

Mandei mensagens para vários e fui tendo respostas. Algumas mais reservadas, outras empolgadíssimas, mas sempre a sensação de que havia encontrado uma luz no fim do túnel. Mas, peraí! Relacionamento é sempre tão difícil: nem sempre rola aquela química, aquela sintonia inexplicável que aproxima duas pessoas num propósito maior que a intimidade sexual. Será que neste contexto, neste mundo paralelo dos soropositivos, seria diferente?

Conversei com vários caras. O que mais me surpreendeu foi: muitos são homens bem sucedidos, bem de vida, com carreira consolidada e tudo mais. Só que em algum momento contraíram o vírus e foram jogados para um outro campo de experiência, onde o poder de escolha não é mais o mesmo e as expectativas parecem crescer proporcionalmente ao medo de não ser aceito pelo outro que se deseja. Qualquer um tem que bastar.

Neste diário, pretendo relatar minha experiência com essa busca. Sou como todos os outros, negs ou pozzes: quero alguém desejável sexual, intelectual e culturalmente. Alguém para ter prazer na cama e fora dela. Alguém que me amplie o campo de experiências e que se interesse pela minha subjetividade, minha bagagem e minha visão de mundo. Alguém para construir algo -- um relacionamento, uma vida a dois, um patrimônio, um futuro. É muito triste a perspectiva de não ter ninguém para compartilhar o passar dos anos. Só que quem traz consigo o estigma de uma doença incurável e contagiosa pelo contato íntimo está fadado a ter seu leque de escolhas limitado -- ou anulado.

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