quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

É tudo uma questão de amor!

Talvez ninguém possa compreender a importância que o tempo e os ciclos têm em nossas vidas tão bem quanto as pessoas que de alguma forma enfrentam ou enfrentaram mais diretamente a morte ou de alguma forma tiveram que lidar com a sua mortalidade.Ser soropositivo traz a cada dia vivido um gosto de satisfação, como se mais um dia com saúde e apto a gozar a vida fosse uma conquista.
Um ano que começa marca essa conquista com mais força. E eu ainda faço aniversário neste período de virada/início do ano, então é um momento em que a passagem do tempo fica bem marcada -- e sempre celebrada.
Agora mesmo eu lia uma crítica sobre "I'm Dangerous With Love", um documentário estadunidense sobre drogas em que um ex-viciado fala do prazer de ficar grisalho, calvo e usar óculos para ler. Ou seja, uma pessoa que rumava em direção á sua destruição física, celebra tudo aquilo que as pessoas mais repugnam na passagem do tempo: envelhecer. Viver e envelhecer tem um gosto de vitória para aqueles que por alguma razão vêem ou viam um horizonte mais curto.



Quando eu era muito pequeno, talvez com uns 5 ou 6 anos, fui entrevistado por uma rede de televisão educativa sobre o futuro -- o que o futuro significava para mim. Enquanto eu falava com a repórter, me vinha uma imagem clara de um pôr do sol amarelo ouro, com a silhueta escura de longas montanhas. Não lembro o que respondi àquela altura, mas lembro perfeitamente da imagem e hoje me pergunto como e por quê uma criança de 5-6 anos vê o futuro como um pôr de sol? Que sentimento seria expresso em tal imagem?

O pôr do sol muitas vezes é marcado por uma melancolia, uma momento quase desagradável, angustiante. Para aquele menino, o pôr do sol era o seu porvir, uma expectativa a ser atingida ou um caminho a ser seguido. Sem melancolia nem angústia, o pôr do sol é a expressão de um ciclo cumprido -- e ao longo da vida, muitos são os ciclos que cumprimos.

Recentemente assisti ao filme "Enter the Void" de Gaspar Noé. Sem fazer muita ideia do que se tratava, fui tragado para o olho de um furacão de experiências sensoriais sobre a morte. O filme tem a pretensão de mostrar, de acordo com o Livro Tibetano dos Mortos, como seria o processo espiritual da morte e a transição do espírito para uma nova encarnação. Foi impactante demais, rendeu noites de insônia e muitos sonhos intensos envolvendo elementos diversos como sexo, animais venenosos, estrelas de cinema etc. Para os tibetanos, a morte e os estágios pelos quais o espírito atravessa até reencarnar exigem desgastar os traumas e as tramas de emoções e afetos experimentados ao longo da vida. E uma morte violenta num contexto mais barra pesada (para não dizer sórdido) pode trazer uma experiência mais tormentosa.


O medo da morte pode estar ligado ao apego a esta vida (as pessoas, os prazeres mundanos etc.) e o medo do desconhecido, claro. Se a morte significa o nada, um vazio total sem qualquer consciência ou percepção, um apagar total de tudo, o fim per se, o medo de morrer pode se justificar por não ter mais contato com as coisas boas e as pessoas amadas neste mundo. Por outro lado, uma morte que traz um processo de transição consciente em que podemos inclusive acompanhar de perto pessoas amadas pode trazer uma angústia ainda maior por não podermos fazer nada além de acompanhar de longe a vida delas. Ou seja, a saudade deve bater forte e o desapego deve ser difícil. Em suma, a morte foi e sempre será um mistério, independente da crença que se tenha no que vem depois, ninguém sabe como enfrentará o que encontrar do outro lado.

Há poucos anos, perdi um irmão ainda jovem (num acidente logo após o Ano Novo), com projetos e muito desejo de realizar mil coisas na vida. Ali, naquele momento de dor profunda, tive clareza de que o importante não é a quantidade de anos vividos, mas a qualidade com que vivemos cada dia, cada momento. Nada se leva deste mundo, mas deixa-se muita saudade e muitas lembranças boas. Todo início de ano eu celebro as boas memórias que guardo do meu irmão. Pode parecer contraditório afirmar que a qualidade do tempo vivido é mais importante do que a quantidade, já que comecei este post falando da vitória de cada dia vivido com alegria e gozo, mas aí é que está a grande mágica disso tudo: viver os dias, os meses, os anos com alegria e gozo, comemorando cada ciclo encerrado e cada recomeço como uma bênção, uma conquista.

Numa entrevista no Inside the Actors Studio, Sharon Stone contou que estava ao lado de um amigo que morria de aids quando ele apagou totalmente, encerrando aquele doloroso processo. Ela estava sozinha no quarto com ele, que parecia ensaiar a passagem apagando totalmente e retornando. De repente, ele se foi e voltou com um ar de estarrecimento, dizendo "It's so beautiful! It's just so beautiful!", quando ela perguntou "What?", ao que ele respondeu "It´s all about love!" (no minuto final deste vídeo do YouTube)

Viver é uma questão de amor. Sem sombra de dúvida.

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