domingo, 5 de abril de 2009

Burrocracias

Resolvi sacar meu fgts. Peguei uma declaração com minha médica e fui a uma agência da caixa longe do burburinho do business paulistano na esperança de ter um atendimento mais tranquilo e rápido. Chegando lá, a agência realmente estava bem tranquila. Pedi informação a um camarada atrás de uma mesa que perguntou se era por rescisão contratual e falei que era por doença. "Fale com o Fulano". Ok, esperei sentado numa "fila" desorganizada mas respeitada por todos que chegavam para ser atendido pelo fulano, quando um moleque de camiseta estampada e com cara e jeito de mensageiro estagiário me chamou à mesa do tal Fulano. Falei qual era o assunto e que tinha sido orientado a falar com o Fulano. O moleque falou que poderia ser com ele mesmo. Sentei esperando que pudesse mesmo.

Neste interim, o Fulano apareceu e meu atendimento foi feito pelo moleque que ia tirando dúvida com ele. Faltava um software xyz, que o moleque botou para baixar. Na mesa ao lado, um Beltrano atendia um senhor e todos olhavam para as telas dos computadores e falavam sobre os procedimentos e meu atendimento quase virou um simpósio. Até que o moleque pegou a declaração da minha médica e pertguntou ao Fulano (que deveria estar me atendendo em vez de orientar um estagiário com meu caso) "esse código daqui é o que mesmo?", referindo-se ao CID. O Fulano disse "sei lá, veja aí no guia, eu não sou dicionário, não lembro nem o que eu comi ontem!!" e todos riram e continuaram conversando alegremente.

"Putaquiupariu", pensei. "Só faltava meu atendimento ser feito de forma tão devassada". O tal programa não baixava e o moleque comentou "está tãaaaao lento...." e eu falei "pois é, e eu não posso realmente esperar taaaaaanto". Peguei meus documentos e corri para uma reunião para a qual já estava atrasado. 

Saindo da reunião, fui a outra agência da caixa, desta vez numa avenida mega movimentada, mas ainda assim a agência estava às moscas. Sempre imagino agências da cef cheias e tumultuadas com atendentes burocráticos e desinteressados. Esperei um pouco e fui atendido por um camarada mais maduro, muito simpático e atencioso que me explicou tudo, tirou todas as minhas dúvidas e demonstrou grande sensibilidade e competência, conversando sobre amenidades enquanto o processamento era feito. Um ser humano profissional e interessado, ao contrário de minhas teorias sobre repartições públicas apesar de ter tido a sorte de encontrar muita gente boa e competente exerecendo funções públicas. Senti-me à vontade para perguntar o que precisava ciente de que minha conversa com ele estava restrita àquele espaço e que ele sabia do que estava falando. Saí de lá tranquilo e aliviado por ter resolvido o assunto de forma direta e reta, sem que meu atendimento se tornasse um case para o treinamento de um molecote imaturo e sem noção e objeto de debate na agência.

A esta altura me questiono o quanto não sou paranóico demais, se não deveria relaxar um pouco e agir com mais naturalidade. Parece que eu mesmo me estigmatizo demais, que deveria ser menos duro coisa e tal. Do tipo, eu agi com muita naturalidade com o camarada que efetivamente me atendeu na outra agência, não me incomodei com nada e pude ficar relaxado durante todo o atendimento. Mas diante do ocorrido na primeira tentativa, fiquei pensando que mesmo amando o Brasil e a cidade onde moro, às vezes sinto falta da frieza ango-saxônica, daquele pragmatismo e do nível de seriedade e profissionalismo que experimentei em Londres, Nova York e Sydney, locais onde passei mais tempo do que umas breves férias.

Parece que o princípio norteador das atitudes e do comportamento da maioria dos brasileiros é um oba-oba cego e surdo e que antes fosse também mudo, mas não é. Pelo contrário, é histérico e esporrento, como os carros de som que vendem pamonhas ou compram "máquinas de lavar velhas" (sempre imaginei minha avó dando piruetas dentro d'água numa brastemp). Há uma promiscuidade energética e relacional quando o contexto exige uma postura muito mais direcionada e restrita. Pelo menos a meu ver, um banco do governo que atende pessoas com direito a benefícios por questões personalíssimas tais como falecimento, doenças e desemprego deveria ter uma conduta no atendimento muito mais séria do que pude testemunhar. Como assim "esse código daqui é qual mesmo?" na frente de outros atendentes e clientes do banco? Uma declaração médica não é foto de gol de campeonato no jogo da noite anterior e merece um cuidado um pouco maior. Fosse câncer, aids ou a doença que fosse, e ele sabe que se estou ali não é por micose na unha do dedão do pé nem por hérnia de hiato, ele não poderia expor o cliente/usuário (eu!) do sistema de benefícios do governo federal de forma tão leviana. Estou errado?

Se é possível prestar um atendimento humano e sério como o que recebi em seguida, fico satisfeito por saber que a zorra não é tão geral assim. E fico feliz por morar num país e numa cidade onde temos direitos e podemos usufruí-los dignamente, apesar de quase sempre reclamarmos do contrário. Espero que esta seja mais a regra do que a exceção.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Bomba-relógio

Ontem fui à minha médica para aquela consulta que deveria ter ocorrido há mais de 6 meses... he...

Ela olhou os exames todos, levei mais alguns antigos que não estavam na minha pastinha de exames na outra consulta e, no fim, comentou: "está tudo bem, você não tem com que se preocupar ainda..." e eu fiquei aliviado, apesar de já saber que AINDA não seria hora de me preocupar com muita coisa -- é sempre bom confirmar coisas boas.

O que causa uma certa angústia é exatamente esse "AINDA". Obviamente, as coisas estão muito melhores do que há 15 anos, quando o "ainda" prenunciava coisas bem mais sérias do que acrescentar remédios à rotina de exames de um soropositivo. Mas ninguém (e eu não seria a exceção) quer ouvir o tic-tac de uma bomba relógio, independente do tempo que ela levará para explodir.