sexta-feira, 27 de março de 2009

para rir e refletir

Como estou num daqueles dias em que nem penso no fato de ser hiv+ (tou com um enorme foda-se de neon aceso na minha testa para isso), lembrei da frase mais espirituosa que já li sobre aids:

“When God gives you aids,

(and God does give you aids, by the way)

make lemonaids.”**

— Sarah Silverman



(pode colocar um chorinho de gin?)



** Em bom português: "Se Deus te der aids, faça uma limonaids!"

segunda-feira, 23 de março de 2009

cul-de-sac


Depois de algum tempo sem maiores novidades sobre o desenrolar de meu encontro com L. (veja o primeiro e o segundo posts a respeito), a mini-série finalmente chegou ao fim. 

Continuamos em marcha lenta por todo esse tempo, veio carnaval, ele viajou a trabalho por 10 dias, enfim, um devagar e sempre bem xoxo. Mas eu também tinha minhas razões para querer seguir assim.

Primeiramente, ainda estou me recuperando de uma separação muito traumatizante, um relacionamento que era baseado na química sexual e só, mas que deixou sequelas um tanto profundas. Desta vez eu havia conhecido um cara com quem havia muitas afinidades e poderíamos acrescentar muito um ao outro, mas a química não era tão forte -- tá, falando bem francamente, não parecia haver química alguma mas nem tivemos tanta oportunidade de experimentá-la.

Segundamente, esse lance da química eu atribuo, pelo menos em parte, à minha dificuldade de lidar com o fato de ser hiv+ e estabelecer um espaço de intimidade tão rapidamente. Aquele dilema: conto logo de cara ou espero para ver se vale a pena contar? Se não fosse contar logo de cara, não poderia criar muita intimidade sem estabelecer limites muito claros para não expô-lo. Como estávamos em marcha lenta, não sabia se esperava algum momento certo, se é que haveria tal momento (na verdade houve, mas ele me interrompeu e pediu para não falar mais nada, o que foi um alívio para mim!).

Por outro lado, havia a questão da disponibilidade dele que, por ter um estilo de vida muito corrido, dividido entre duas cidades e com muitos problemas de trabalho, era um pouco difícil ter tempo para uma convivência mais próxima. Mas neste ponto eu volto à questão da química: se houvéssemos experimentado a intimidade mais profundamente e estabelecido uma ligação maior, talvez as faíscas poderiam ter acendido uma paixão mais intensa e esta disponibilidade teria sido criada.

Na verdade, entre saber se faltou entrega da minha parte ou se realmente não houve uma ligação maior por que realmente não havia a tal química, fico apenas com o que me cabe e aprendo a lição. Neste meio tempo, não deixei minha energia dispersar com outros caras, deixei de sair com outras pessoas para não comprometer ainda mais o processo que estava em andamento com L. Eu estava disposto a tentar fazer dar certo.

Então o que aconteceu foi o seguinte: na semana passada eu mandei uma mensagenzinha boba para ter notícias dele (nunca cobrei nem exigi nada dele mas também não sei como ele pode ter interpretado essa minha tranquilidade) e ele me ligou em seguida, falando que havia chegado na cidade na véspera, que havia vindo meio que de surpresa, decidiu num rompante para ir ao aniversário de uma grande amiga e tinha ido dormir bem tarde, mas que estava pensando em mim quando eu mandei o sms, incluindo um elogio parecido com «como sempre, você manda mensagens muito inteligentes». Eu quase ri, porque só faltava ele emendar e falar aqueles clichês todos de quem está dando um toco: «você é uma pessoa maravilhosa, você é incrível, por favor me entenda, o problema não é você, sou eu! Estou num momento em que preciso ficar comigo mesmo, estou com saudades de mim!» e blá blá blá... mas apenas marcamos um encontro para aquela noite mesmo. 

Fomos ao teatro e depois jantamos com amigos dele. Tudo normal como sempre, nada de diferente nem fora do padrão, apenas uma discussão calorosa porém saudável sobre política antes de entrarmos na peça. Lá pelas tantas ele fez um comentário sobre sua rotina agitada que deu a entender que sua vinda havia sido planejada um pouco antes do que ele havia sugerido pelo telefone naquela manhã. Engoli em seco e deixei rolar.

Quando fui deixá-lo em casa, parei o carro e apenas disse «fala» e ele começou com algum rodeio, mas nem bateu a marca dos 10 segundos e desembuchou: «eu achei que estava num momento para ter uma relação mas pelo visto me enganei...». No afã de evitar a clichezada que se anunciava com um rufar de tambores ensurdecedor, fui um pouco mais incisivo «você não está disponível, L.» e ele «é isso, não estou disponível...» e eu falei «ok». Aí, ele meio que desbundou um pouco e falou «ok?» e eu falei «ok». Já havia digerido aquela coisa toda e não estava a fim de entrar em discusssões filosóficas nem falar nada que pudesse soar como uma defesa ou, pior, um contra-ataque.

Despedimo-nos com um selinho bem rápido, lhe desejei boa sorte com tudo e ele saiu de maneira meio desajeitada do carro, como se procurasse algo que não poderia esquecer ali, mas não havia nada e perguntei «você quer levar mais o quê?». Não foi minha intenção, mas ficou no ar um sentido dúbio para aquela pergunta. He...  Antes de fechar a porta, ele ainda fez aquele movimento de colocar a cara para falar mais alguma coisa, mas recuou e se foi. Esperei 4 segundos para engatar a primeira e fui embora. Acho que batemos o recorde do toco mais rápido do mundo, sem drama nem enrolação.

Meu primeiro impulso foi tentar perceber se havia alguma dor naquele «rompimento». Mas aparentemente eu não estava sentindo nada em relação a ele, apenas lamentava o fato de não ter dado certo sem nem saber se o fracasso se deveu ao meu medo e minha postura defensiva. Por outro lado, um certo alívio por não ter revelado antes meu status sorológico porque se ele realmente não estava disponível, nada no mundo me tiraria da cabeça que ele teria pulado fora por causa disso. Um cigarro, eu só precisava de um cigarro. Porra, nem estava fumando, mas uma fumacinha ajudaria a sufocar um bocado fosse lá o que estivesse se passando comigo naquele momento -- dor? medo? alívio?

Obviamente, não sou tão ingênuo a ponto de comprar aquele papo todo, mas achei muito digno e delicado o modo como ele tratou a questão. É claro que ele realmente está num momento crítico da situação profissional e tudo mais, mas se a tal química estivesse ali bombando, tudo se organizaria para o tal momento de viver uma relação se materializar. Daí volto à questão de o quanto que minha posição mais retraída não impediu que a paixão surgisse, o quanto que meu medo não foi um peso morto para impedir que a relação deslanchasse? Ou não?

Como os relacionamentos em regra começam por um processo de apaixonamento intenso que cega e ilude as pessoas, trazendo aquela necessidade de estarem juntas e o desejo ou disponibilidade de abrir mão de (quase) tudo para fazê-lo, talvez uma abordagem diferente possa ter causado estranheza e levado à interpretação de que não haveria muito futuro num encontro em que as coisas aconteçam mais tranquilamente. E pode um encontro assim, mais tranquilo, levar a algum lugar? E permitir a criação de um relacionamento baseado na amizade e na confiança, no interesse mútuo e no desejo de construir algo juntos, sem passar necessariamente pelo apaixonamento intenso? Ou será que escolhi essa abordagem apenas para me preservar da questão de revelar meu status sorológico logo de cara? Enfim, muito para se refletir e me preparar para o próximo encontro.

Não sei nem nunca vou saber as respostas, nem mesmo se minha indiferença é uma defesa ou se realmente não havia muito leite para se espremer daquela pedra.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Direitos do portador de hiv/aids


Fiquei na dúvida de como abordar os direitos das pessoas com hiv/aids de forma concisa, mas sem deixar de fora nenhum aspecto importante. Não consegui, então vai na forma cheia mesmo mas abusei dos branquitos para facilitar a leitura. (no site da Roche há um bom resumo de tudo que diga respeito aos direitos do portador de hiv/aids)

A UNAIDS é o programa das Nações Unidas para hiv/aids e estabelece políticas e diretrizes para que os portadores de hiv e aids sejam protegidos, respeitados e tratados no âmbito de seus direitos individuais e coletivos. De maneira geral, o site da UNAIDS é muito completo e abrangente no tocante a esse assunto, incluindo muitos dados atualizados sobre a situação do hiv e da aids no mundo inteiro, das políticas para o combate, a prevenção e o tratamento. A seção de direitos humanos e hiv é beeem concisa (acho que vou fazer um estágio com eles!! hahahahaha!! tenho que aprender a enxugar meus textos urgentemente!!!) e aproveito alguns itens destacados por eles que resumem bem a essência dos direitos do portador de hiv/aids:

Non-discrimination and equality before the law : right not to be mistreated on the basis of health status, i.e. HIV status
Right to health : right not to be denied health care/treatment on the basis of HIV status
Right to liberty and security of person : right not to be arrested and imprisoned on the basis of HIV status
Right to marry and found a family , regardless of HIV status
Right to education : right not to be thrown out of school on the basis of HIV status
Right to work : right not to be fired on the basis of HIV status
Right to social security, assistance and welfare : right not to be denied these benefits on the basis of HIV status
Right to freedom of movement , regardless of HIV status
Right to seek and enjoy asylum , regardless of HIV status

Lembrando que alguns países ainda restringem a entrada de turistas hiv+ e muitos não concedem vistos de estudo e trabalho para portadores do hiv. Isso, para não falar nos países onde estrangeiros hiv+ são presos e deportados!!

Em 1989, foi declarada em Porto Alegre a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da aids. Trata-se de uma declaração de direitos inspirada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual vieram todas as outras declarações de direitos: das quebradeiras do côco do babaçu, dos peixes ornamentais, dos domadores de feras de circo etc.

Destaquei alguns aspectos que considero importantes e que devem ser levados em consideração por hiv+ e seus amigos, familiares e médicos, tais como o direito ao sigilo, à privacidade, ao convívio social e a uma vida normal, sem ser discriminado nem excluído por sua condição.

I - Todas as pessoas têm direito à informação clara, exata, sobre a aids. Os portadores do vírus têm direitos a informações específicas sobre sua condição.

II - Todo portador do vírus da aids tem direito à assistência e ao tratamento, dados sem qualquer restrição, garantindo sua melhor qualidade de vida.

III - Nenhum portador do vírus será submetido a isolamento, quarentena ou qualquer tipo de discriminação.

IV - Ninguém tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das pessoas pelo único motivo de serem portadoras do HIV/aids, qualquer que seja sua raça, nacionalidade, religião, sexo ou orientação sexual.

V - Todo portador do vírus da aids tem direito à participação em todos os aspectos da vida social. Toda ação que tende a recusar aos portadores do HIV/Aids um emprego, um alojamento, uma assistência ou a privá-los disso, ou que tenda a restringi-los à participação nas atividades coletivas, escolares e militares, deve ser considerada discriminatória e ser punida por lei.

VI - Todas as pessoas têm direito de receber sangue e hemoderivados, órgãos ou tecidos que tenham sido rigorosamente testados para o HIV.

VII - Ninguém poderá fazer referência à doença de alguém, passada ou futura, ou ao resultado de seus testes para o HIV/aids sem o consentimento da pessoa envolvida. A privacidade do portador do vírus deverá ser assegurada por todos os serviços médicos e assistenciais.

VIII - Ninguém será submetido aos testes de HIV/aids compulsoriamente, em caso algum. Os testes de aids deverão ser usados exclusivamente para fins diagnósticos, para controle de transfusões e transplantes, e estudos epidemiológicos e nunca qualquer tipo de controle de pessoas ou populações. Em todos os casos de testes, os interessados deverão ser informados. Os resultados deverão ser informados por um profissional competente.

IX - Todo portador do vírus tem direito a comunicar apenas às pessoas que deseja seu estado de saúde e o resultado dos seus testes.

X - Toda pessoa com HIV/aids tem direito à continuação de sua vida civil, profissional, sexual e afetiva. Nenhuma ação poderá restringir seus direitos completos à cidadania.

O link para essa declaração está aqui (site do Ministério da Saúde).

Mas como esses direitos repercutem na vida real?

Cabe ressaltar que há diferença entre ser portador do hiv e paciente de aids, sendo óbvio que o segundo tem todos os direitos que o primeiro (ex. levantamento do FGTS) e alguns outros (ex. auxílio-doença e levantamento do PIS/PASEP), de acordo com seu estado de saúde.

Direitos reservados aos portadores de HIV/AIDS

 

quinta-feira, 19 de março de 2009

The Body


Só agora percebi que nunca havia linkado este blog ao site considerado como maior fonte de informação sobre hiv e aids: The Body. Além de conceituado, é um dos mais recomendados pelos médicos em geral.

O curioso é que na parte de notícias, o maior destaque hoje é Washington D.C., que atualmente se destaca como a cidade com um aumento assustador de casos de hiv. No início desta semana, eu já havia lido na BBC a respeito, mas pelo visto a repercussão do problema está sendo muito maior do que eu imaginava.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Dark Was The Night




A Red Hot Organization comemora 20 anos de atividade com seu 20º projeto, "Dark Was The Night" (ao lado, você poderá ouvir 3 das 31 faixas do cd duplo).
Red, Hot + Blue foi um divisor de águas na vida de muitos jovens que entraram em contato com a música de Cole Porter através de artistas incríveis como Deborah Harry, Iggy Pop, David Byrne, Sinead O'Connor, kd lang, U2, Erasure, Annie Lennox e muitos outros.
Toda a renda dos projetos Red Hot são revertidas para pesquisas e campanhas de conscientização e prevenção do hiv e aids.

Abaixo, o vídeo de I've Got You Under My Skin, com Neneh Cherry (direção de Jean-Baptiste Modino).





sábado, 7 de março de 2009

HIV Stops With Us

Está muito bonita a campanha HIV Stops With Us -- que antes era HIV Stops With Me . Os depoimentos são muito tocantes e é interessante conhecer soropositivos que estão na luta para conter a doença e reduzir o ritmo das novas infecções.

A campanha é voltada à conscientização de hiv+ no controle de novos contágios, mostrando a importância de proteger seus parceiros sexuais para que permaneçam negativos. Além de elevar o senso de responsabilidade tanto dos hiv+ como dos hiv-, a campanha visa romper com estigmas e preconceitos relacionados ao status sorológico.

Não deixe de conferir:



Segredos


Meu status sorológico é um assunto muito fechado. Não tenho muito com quem conversar a respeito e as poucas pessoas para as quais revelei meu status não se sentem muito confortáveis sobre o assunto, têm medo de falar o que não devem, usam eufemismos engraçados etc. E eu super entendo, porque também já fui hiv- um dia e eu também tive que lidar com pessoas que eram hiv+ e sei que, por inabilidade ou por ignorância, deixei de falar a coisa certa ou acabei falando o que não devia ao tentar agir de forma natural demais sobre o assunto.

Recentemente fiquei sabendo de um amigo que começou a tomar o coquetel e liguei para ele imediatamente. Conversamos sobre o assunto e foi tranquilo, mas é estranho vislumbrar o futuro próximo, como se ouvisse uma daquelas músicas de filme de suspense que anuncia a chegada da ameaça que você pode até saber qual é, mas não sabe em que momento o ataque acontecerá, de que canto escuro surgirá o monstro. E não adianta correr porque, assim como nos filmes, neste contexto a fuga não levará a um lugar totalmente seguro e a qualquer instante o monstro estará à sua frente sem que ele tenha corrido um décimo do que você correu nem empreendido nenhum esforço descomunal para te alcançar.

Não sou pessimista com relação à doença -- pelo contrário, tive perto de mim uma pessoa que sobreviveu muitos anos sem tomar qualquer remédio e acabou falecendo num acidente de carro com a saúde totalmente controlada, mas preciso ser realista e pragmático ao reconhecer as possibilidades que me aguardam. Por mais que tente regular a alimentação, manter hábitos saudáveis, tomar vitaminas etc., uma carga viral mais alta e uma gripe reincidente se transformam numa insônia com uma facilidade incrível.


Sei que poderia tirar um grande proveito de uma terapia e farei isso em breve, prometi a mim mesmo, mas apesar de não viver pensando em mim mesmo como um hiv+ o tempo inteiro, há uma tensão latente que subjaz a tudo que penso, sinto e faço. Às vezes sinto como se houvesse dois de mim em mim: um que se preocupa e sofre muito por ser hiv+ e outro que não está nem aí, simplesmente administra a situação e não a encara como um problema. Pelo fato de não ter com quem conversar a respeito, nem sei se desejo falar sobre o assunto com tanta frequência, sempre me questiono qual seria o problema de revelar meu status sorológico. Nem amigos próximos sabem, salvo raras exceções pois conto nos dedos as pessoas com quem comentei sobre o assunto e já me parece suficiente.


Outro dia aconteceu um fato que me fez pensar: eu estava numa reunião de amigos, éramos no máximo uns 8, e chegou um amigo do dono da casa. Era um rapaz bem aparentado, meio embotadinho mas simpático. E quando fomos embora, uma amiga que me daria carona me falou que o tal rapaz é um primo do dono da casa que teve problemas com drogas, como isso dava pena nela blá blá blá.... sei lá, eu não queria sair de uma festa ou da casa de amigos e que comentassem algo como "tadinho, ele é soropositivo...." ou algo do gênero. Por isso evito comentar sobre meu status mesmo com amigos. Um dia posso mudar essa idéia ou percepção, mas no momento ainda prefiro assim. (No Rio de Janeiro, uma senhora nos seus 40 anos teve que sair do condomínio onde morava por sofrer ameaças e outras manifestações hostis de preconceito por parte de seus vizinhos, então não estou falando de uma paranóia extrema.)

Um amigo leitor do blog me contou sua história e eu pedi para citá-la aqui: ele descobriu há poucos meses ser hiv+ e, fazendo uns cálculos, acredita que quem o contaminou foi um ex-namorado dele que hoje é seu chefe na empresa onde trabalham. O drama: ele deve conversar com seu ex-namorado sobre o assunto? O cara é chefe dele hoje e eles ainda são amigos, mas ele não tem certeza se foi o cara mesmo! Como abordar esse assunto? Quais consequências isso pode ter para a amizade e o emprego dele? Enfim, como lidar com um assunto tão delicado num contexto tão crítico exige parâmetros e referências ainda inexistentes no que respeita a ética das relações.

Pensei muito sobre o assunto e cheguei à seguinte conclusão: as pessoas em geral devem assumir total responsabilidade sobre sua saúde, fazer exames periódicos e se cuidar sempre. No caso de jovens gays com vida sexual ativa, esse cuidado todo deve ser MUITO maior e fazer o teste, imperativo. Então, eu jamais assumiria esse ônus, ainda mais desconfiando que foi o outro que me contaminou e podendo colocar em risco meu emprego..

Não sei se é uma regra geral ou quem inventou isso, mas alguns médicos com quem me consultei me perguntaram se eu havia conversado sobre o assunto com a pessoa que teria me infectado e outros parceiros que tive depois da infecção. É óbvio que não!! Eu cheguei a falar com o cara que me infectou que logo após a gente ter transado eu tive micoplasma (o que foi verdade) e ele falou que havia feito exames para um pré-operatório e estava tudo em ordem, mas não entrei em detalhes nem no mérito de nada, só deixei a dica (espero que ele tenha procurado um médico) e nunca mais nos falamos. Quanto aos outros, eu não falei nada com ninguém, apenas com meu namorado na época do diagnóstico pois ele foi o único a quem expus o vírus, com os outros, tudo foi feito como manda o figurino, então não achei que fosse necessário sair propagando por aí meu status. Eu sempre fiz exame e penso que todos devem se testar de tempos em tempos independente de praticarem sexo seguríssimo.(Em breve, mais sobre hiv e responsabilidade ética e legal.)

À vida

Libação

É do nascedouro da vida a grandeza.
É da sua natureza a fartura
a ploriferação
os cromossomiais encontros,
os brotos os processos caules,
os processos sementes
os processos troncos,
os processos flores,
são suas mais finas dores

As conseqüências cachos,
as conseqüências leite,
as conseqüências folhas
as conseqüências frutos,
são suas cores mais belas

É da substância do átomo
ser partível produtivo ativo e gerador
Tudo é no seu âmago e início,
patrício da riqueza, solstício da realeza

É da vocação da vida a beleza e a nós
cabe não diminuí-la, não roê-la
com nossos minúsculos gestos ratos
nossos fatos apinhados de pequenezas,
cabe a nós enchê-la,
cheio que é o seu princípio

Todo vazio é grávido desse benevolente risco
todo presente é guarnecido
do estado potencial de futuro

Peço ao ano-novo
aos deuses do calendário
aos orixás das transformações:
nos livrem do infértil da ninharia
nos protejam da vaidade burra
da vaidade "minha" desumana sozinha
Nos livrem da ânsia voraz
daquilo que ao nos aumentar
nos amesquinha.

A vida não tem ensaio
mas tem novas chances

Viva a burilação eterna, a possibilidade:
o esmeril dos dissabores!
Abaixo o estéril arrependimento
a duração inútil dos rancores

Um brinde ao que está sempre nas nossas mãos:
a vida inédita pela frente
e a virgindade dos dias que virão!

À morte

Quando tive a oportunidade de ver uma exposição bem abrangente da obra de Andy Warhol, entendi como ele era visionário e sacou como a mídia seria responsável pela espetacularização das coisas mais prosaicas da vida, de hábitos de consumo à morte e o sexo.
Sua série Death and Disaster causou polêmica por usar imagens de acidentes automobilísticos, suicídios etc. Mais de 40 anos depois, uma imagem chocante como a usada em Suicide não se compara ao que testemunhamos hoje diariamente em noticiários policiais e nas manchetes dos jornais.



E foi o próprio Andy Warhol o grande precursor dos reality shows que hoje expõem toda a crueza da intimidade e das neuroses humanas e cativa a atenção e o olhar curioso de pessoas de todas as idades. Mas o que está em jogo não é o que somos nem por que fazemos o que fazemos, mas sim a busca pela fama e o sucesso. Todos querem gozar dos tais 15 minutos de fama profetizados pelo pop artista.


Jade Goody tornou-se celebridade aos 21 anos no Big Brother inglês. E ela se acostumou tanto com a vida sob o spotlight que sua morte está sendo acompanhada em tempo real por milhões de pessoas. Jade foi diagnosticada com câncer avançado em agosto de 2008 e, desde então, a mídia vem acompanhando seu tratamento, seus planos para seu próprio funeral, seu casamento às pressas... enfim, Jade ascendeu sob os holofotes e seu ocaso será igualmente espetacularizado, o grande público testemunhou o nascimento e está testemunhando a morte de uma celebridade.

Eu nunca havia ouvido falar dela antes de ser noticiada sua doença e seu casamento, mas agora há notícias sobre sua morte lenta e agonizante diante das câmeras com detalhes tocantes como o batismo seu e de seus filhos e outros elementos que, se estivessem numa novela ou numa série de TV, pensaríamos que o roteirista teria pesado a mão e apelado pro dramalhão exagerado para arrancar a todo custo lágrimas dos espectadores.
Verdade ou mentira, seu drama me faz pensar sobre esse processo inevitável que ela enfrenta tão cedo -- Jade tem 27 anos. Não critico sua escolha de vivê-lo publicamente, mas como ela consegue lidar com a iminência de seu fim? Como viver cada minuto com dor e sofrimento, sabendo que em breve tudo estará acabado -- será um alívio? Ela não mais verá seus filhos, não mais estará ao lado do homem que ama... Será que ela pensa se sentirá saudades deles? Há saudade após a morte? Há algo do lado de lá que nos mantenha ligado ao que vivemos aqui? Ou o apego é todo do lado de cá, lá só há liberdade -- ou nada?

Sempre me emociono quando vejo um vídeo de parto natural. O milagre da vida <\clichê> acontecendo ali, diante da câmera, me instiga e me faz imaginar que força superior pode ter projetado toda a complexidade e perfeição disso tudo. Mas há alguns anos vi um filme chamado Faces da Morte (não recomendo), que exibia cenas de pessoas e animais morrendo por razões diversas (doenças, acidentes, rituais etc.) e no fim do filme, um lindo rechonchudo e viçoso nada (ou corre ou engatinha) para resgatar nossa ligação com a vida e mostrar que tudo faz parte do mesmo ciclo. Mas a morte incomoda e dá medo, deixa saudades pros que ficam e revela o grande mistério a quem vai.

Toda esta temática tem estado muito presente. Por acaso ou não, tenho deparado frequentemente com os temas da eutanásia, aborto, suicídio etc. em séries de TV, sites e notícias. E me intriga muito a polêmica que esses assuntos causam e todo o questionamento religioso, ético e filosófico sobre aquilo que é comum a todos os seres vivos -- um dia, todos morreremos. Alguns ricos, outros pobres, alguns doentes, outros saudáveis... mas todos morreremos de uma maneira ou de outra. Só que algumas pessoas querem escolher como e quando, mas não podem... Final Exit é um site incrível sobre eutanásia. (Longe de fazer apologia à morte, ao suicídio ou à eutanásia, estou apenas divagando sobre o tema e não pretendo chegar a conclusão alguma.)


Como descendente de português, entendo bem a relação de apego que temos com a vida e o sofrimento. Há uma lenda medieval portuguesa que mostra como o país de nossos colonizadores se conformou com o destino final de todos e a miséria do mundo: uma senhora portuguesa com certeza, chamada Dona Miséria (quase todas as portuguesas carregam algum gene dessa senhora), recebe a visita da Morte mas consegue prendê-la em sua figueira encantada -- afinal, Dona Miséria era miserável mas não queria morrer. Com a Morte presa, o mundo começa a virar um caos -- as pessoas deixaram de morrer! -- e com muito custo, a Morte negocia sua liberação para poder ir trabalhar, garantindo que nunca levará Dona Miséria. Ou seja, a morte é um mal necessário para o mundo -- e a miséria nunca vai deixar de existir... Hahahahahaha!! Adoro a visão de mundo daquela gente pitoresca da Lusitânia!

Our mind thinks of death.

Our heart thinks of life

Our soul thinks of Immortality.

(Sri Chinmoy)

(Procure no Google Images as palavras «vida» e «morte». A primeira traz imagens coloridas luminosas, cafonas, brilhantes... e as pesquisas relacionadas são «felicidade» e «bebê». Já a segunda, traz imagens sombrias, frias, angustiantes.)

terça-feira, 3 de março de 2009

Ignorância e Preconceito

Parece novela de Jane Austen ou filme com Emma Thompson e Anthony Hopkins, mas na prática são duas coisas indissociáveis: quanto maior a ignorância, maior o preconceito -- e vice-versa.

Outro dia, uma amiga me falou que tinha conhecido um carinha que era uma graça mas que ela achava que ele fosse garoto de programa por se depilar, cuidar demais do corpo etc. (preconceito número 1). Eu falei que era bobagem, que hoje muitos caras fazem isso por vaidade e parece até que o cara era personal trainer, então isso justificava na boa. Mas ela tinha medo que ele fosse garoto de programa porque ela queria transar com ele e tinha medo que ele tivesse "aids" (preconceito número 2).
Bom, eu falei para ela que em primeiro lugar, muitos profissionais do sexo se cuidam mais do que muita gente que transa (muito) por aí sem cobrar; em segundo lugar, ela deveria tomar todos os cuidados possíveis e necessário com todos os caras que ela conhecesse, independente de idade, profissão ou status sorológico.



Uma pessoa que tem vida sexual ativa deve se informar sobre formas de contágio e usar esse conhecimento para se prevenir, se proteger e proteger a quem se ama. Ficar indiferente ou ignorante no que diz respeito ao hiv e outras doenças sexualmente transmissíveis é falta de amor próprio. Como diz Susan Sontag,

Aids obliges people to think of sex as having, possibly,

the direst consequences: suicide. Or murder.

Pode soar dramático demais, mas é mais ou menos por aí. (Mais de Susan Sontag em breve.)

Algum tempo depois ela veio me contar que tinha transado com o cara e que achou ele muito cheio de frescura (!). Pedi um exemplo e ela falou "ele não quis me beijar depois de gozar na minha boca" (!!!). Bom, nem vou entrar nessa velha questão se o homem deve ou não beijar a boca onde ele acabou de gozar, isso é problema do gozador e do gozado. Mas para uma pessoa que parecia preocupada com a profissão e o status sorológico de um desconhecido, chegar ao ponto de deixar o cara gozar em sua boca pouco tempo depois de tê-lo conhecido mostra como as pessoas continuam MUITO ignorantes (e, por conseguinte, preconceituosas) e, por isso mesmo, não estão se cuidando como deveriam.

O preconceito, doença que turva nosso olhar e entorta nossa alma, que nos

diminui e nos emburrece, é uma das enfermidades mais sérias deste nosso mundo. (...)

Se permitirmos que essa doença maligna – o preconceito, pai do ódio e

filho da ignorância – nos domine, seremos em breve o mais atrasado no círculo dos

povos atrasados, uma manada confusa obedecendo a qualquer chibata ideológica.

Lya Luft

domingo, 1 de março de 2009

Serenidade, coragem e sabedoria

"Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir umas das outras".

Considero-me uma pessoa bem informada. Leio muito: blogs, livros, diversos sites de notícias nacionais e estrangeiros, uma revista semanal... e interajo com pessoas bem informadas, vejo documentários e noticiários, enfim, fico antenado em diversos assuntos e procuro me manter a par do que anda acontecendo pelo mundo afora.
Desde que me tornei poz, me dediquei a ler mais sobre o assunto e de tempos em tempos jogo no google "hiv cure" para saber o que há de novidades em pesquisas etc. Mas uma coisa que eu não consigo ler nem por um decreto é o que há de informação sobre a evolução do quadro clínico de hiv+, estatísticas de doenças relacionadas etc. Simplesmente me aterroriza saber a incidência de determinados tipos de cânceres que, por fatalidade ou uma piada cósmica de muito mau gosto, contribuem para tornar mais miserável a luta contra o hiv e pela vida.
Mas é inevitável cair nalgum blog ou site médico que informa sobre o assunto e eu fico entre fechar a janela e seguir contemplando o que desponta no horizonte dos hiv+. Lembro de todos os filmes que vi sobre o surgimento da aids e como a doença destruiu a vida de indivíduos, famiílias e comunidades e de histórias nada inspiradoras de pessoas que se negaram a se tratar como manda o figurino, como foi o caso da cantora israelense Ofra Haza que, apesar de negado pela família, manteve em segredo seu quadro e não buscou tratamento por vergonha ou sabe-se lá por quê. (Essa versão da história foi amplamente comentada na sociedade israelense, segundo um amigo meu de lá.)
Tentei ver "Angels in America", uma premiadíssima série de 6 capítulos feita para a tv e que contou com a participação de grandes nomes como Al Pacino, Meryl Streep, Emma Thompson, Mary Louise Parker e outros. Trata-se de um drama fantástico que retrata a vida dos homossexuais e pessoas atingidas pela aids em meados da década de 80 com direito a presença de anjinhos e outras gracinhas, mas nem posso falar muito mais a respeito porque não consegui passar do primeiro capítulo. Ainda voltarei a tentar, mas realmente não tive estômago nem cabeça para acompanhar uma dramatização quase desesperadora do que foi a doença no início e o que ela ainda traz às vidas das pessoas que convivem com ela.
É claro que é importante entrar em contato com a história da doença e poder conhecer o impacto que causou na vida das pessoas pelo mundo afora. Por isso vi alguns filmes e documentários, leio tantos blogs e pesquiso na Wikipédia sobre a vida de pessoas que se tornaram célebres justamente por sua luta contra o hiv, a aids e o preconceito. Mas ver uma cena com Al Pacino se negando a aceitar o diagnóstico do médico porque ele não poderia ter aquela doença de homossexuais e drogados é muito pouco perto da cena em que o cara descobre ser soropositivo, diz que está evacuando sangue e espera o momento de morrer sem saber se seu namorado (ou amante ou companheiro) ficará ao seu lado naquela luta -- e o conflito do segundo entre ficar e pular fora... Enfim, muito intenso para qualquer pessoa sensível e muito mais para quem convive com a questão mais intimamente -- correndo pelas próprias veias, eu diria.
Por isso, sei da importância de lutar pela qualidade de vida e manter o foco em projetos construtivos, o que inclui minha saúde. Mas como sou curioso mesmo, sei que vou sempre esbarrar nas más notícias, como essa que acabo de ler no BBC Health: a evolução do hiv dificulta o desenvolvimento de uma vacina, o que pode levar décadas para se tornar realidade, pois o vírus sempre estará um passo à frente.

Por isso, digo e repito: "Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir umas das outras".