Meu status sorológico é um assunto muito fechado. Não tenho muito com quem conversar a respeito e as poucas pessoas para as quais revelei meu status não se sentem muito confortáveis sobre o assunto, têm medo de falar o que não devem, usam eufemismos engraçados etc. E eu super entendo, porque também já fui hiv- um dia e eu também tive que lidar com pessoas que eram hiv+ e sei que, por inabilidade ou por ignorância, deixei de falar a coisa certa ou acabei falando o que não devia ao tentar agir de forma natural demais sobre o assunto.
Recentemente fiquei sabendo de um amigo que começou a tomar o coquetel e liguei para ele imediatamente. Conversamos sobre o assunto e foi tranquilo, mas é estranho vislumbrar o futuro próximo, como se ouvisse uma daquelas músicas de filme de suspense que anuncia a chegada da ameaça que você pode até saber qual é, mas não sabe em que momento o ataque acontecerá, de que canto escuro surgirá o monstro. E não adianta correr porque, assim como nos filmes, neste contexto a fuga não levará a um lugar totalmente seguro e a qualquer instante o monstro estará à sua frente sem que ele tenha corrido um décimo do que você correu nem empreendido nenhum esforço descomunal para te alcançar.
Não sou pessimista com relação à doença -- pelo contrário, tive perto de mim uma pessoa que sobreviveu muitos anos sem tomar qualquer remédio e acabou falecendo num acidente de carro com a saúde totalmente controlada, mas preciso ser realista e pragmático ao reconhecer as possibilidades que me aguardam. Por mais que tente regular a alimentação, manter hábitos saudáveis, tomar vitaminas etc., uma carga viral mais alta e uma gripe reincidente se transformam numa insônia com uma facilidade incrível.
Sei que poderia tirar um grande proveito de uma terapia e farei isso em breve, prometi a mim mesmo, mas apesar de não viver pensando em mim mesmo como um hiv+ o tempo inteiro, há uma tensão latente que subjaz a tudo que penso, sinto e faço. Às vezes sinto como se houvesse dois de mim em mim: um que se preocupa e sofre muito por ser hiv+ e outro que não está nem aí, simplesmente administra a situação e não a encara como um problema. Pelo fato de não ter com quem conversar a respeito, nem sei se desejo falar sobre o assunto com tanta frequência, sempre me questiono qual seria o problema de revelar meu status sorológico. Nem amigos próximos sabem, salvo raras exceções pois conto nos dedos as pessoas com quem comentei sobre o assunto e já me parece suficiente.
Outro dia aconteceu um fato que me fez pensar: eu estava numa reunião de amigos, éramos no máximo uns 8, e chegou um amigo do dono da casa. Era um rapaz bem aparentado, meio embotadinho mas simpático. E quando fomos embora, uma amiga que me daria carona me falou que o tal rapaz é um primo do dono da casa que teve problemas com drogas, como isso dava pena nela blá blá blá.... sei lá, eu não queria sair de uma festa ou da casa de amigos e que comentassem algo como "tadinho, ele é soropositivo...." ou algo do gênero. Por isso evito comentar sobre meu status mesmo com amigos. Um dia posso mudar essa idéia ou percepção, mas no momento ainda prefiro assim. (No Rio de Janeiro, uma senhora nos seus 40 anos teve que sair do condomínio onde morava por sofrer ameaças e outras manifestações hostis de preconceito por parte de seus vizinhos, então não estou falando de uma paranóia extrema.)
Um amigo leitor do blog me contou sua história e eu pedi para citá-la aqui: ele descobriu há poucos meses ser hiv+ e, fazendo uns cálculos, acredita que quem o contaminou foi um ex-namorado dele que hoje é seu chefe na empresa onde trabalham. O drama: ele deve conversar com seu ex-namorado sobre o assunto? O cara é chefe dele hoje e eles ainda são amigos, mas ele não tem certeza se foi o cara mesmo! Como abordar esse assunto? Quais consequências isso pode ter para a amizade e o emprego dele? Enfim, como lidar com um assunto tão delicado num contexto tão crítico exige parâmetros e referências ainda inexistentes no que respeita a ética das relações.
Pensei muito sobre o assunto e cheguei à seguinte conclusão: as pessoas em geral devem assumir total responsabilidade sobre sua saúde, fazer exames periódicos e se cuidar sempre. No caso de jovens gays com vida sexual ativa, esse cuidado todo deve ser MUITO maior e fazer o teste, imperativo. Então, eu jamais assumiria esse ônus, ainda mais desconfiando que foi o outro que me contaminou e podendo colocar em risco meu emprego..
Não sei se é uma regra geral ou quem inventou isso, mas alguns médicos com quem me consultei me perguntaram se eu havia conversado sobre o assunto com a pessoa que teria me infectado e outros parceiros que tive depois da infecção. É óbvio que não!! Eu cheguei a falar com o cara que me infectou que logo após a gente ter transado eu tive micoplasma (o que foi verdade) e ele falou que havia feito exames para um pré-operatório e estava tudo em ordem, mas não entrei em detalhes nem no mérito de nada, só deixei a dica (espero que ele tenha procurado um médico) e nunca mais nos falamos. Quanto aos outros, eu não falei nada com ninguém, apenas com meu namorado na época do diagnóstico pois ele foi o único a quem expus o vírus, com os outros, tudo foi feito como manda o figurino, então não achei que fosse necessário sair propagando por aí meu status. Eu sempre fiz exame e penso que todos devem se testar de tempos em tempos independente de praticarem sexo seguríssimo.(Em breve, mais sobre hiv e responsabilidade ética e legal.)
Um comentário:
amigo, não acho que você seja paranóico, o precomceito exite e é muito forte. sou sero+,mas ainda nao tomo medicamentos -me desespero em pensar quanto tiver que tomar - fiquei sabendo do meu status a dois anos, até hoje nao tive coragem de contar para ninguem e nao sei se um dia terei.carregar isso sozinho é muito dificil, mas o medo de ser discriminado é maior.
um abraço.
renato
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