sábado, 7 de março de 2009

À morte

Quando tive a oportunidade de ver uma exposição bem abrangente da obra de Andy Warhol, entendi como ele era visionário e sacou como a mídia seria responsável pela espetacularização das coisas mais prosaicas da vida, de hábitos de consumo à morte e o sexo.
Sua série Death and Disaster causou polêmica por usar imagens de acidentes automobilísticos, suicídios etc. Mais de 40 anos depois, uma imagem chocante como a usada em Suicide não se compara ao que testemunhamos hoje diariamente em noticiários policiais e nas manchetes dos jornais.



E foi o próprio Andy Warhol o grande precursor dos reality shows que hoje expõem toda a crueza da intimidade e das neuroses humanas e cativa a atenção e o olhar curioso de pessoas de todas as idades. Mas o que está em jogo não é o que somos nem por que fazemos o que fazemos, mas sim a busca pela fama e o sucesso. Todos querem gozar dos tais 15 minutos de fama profetizados pelo pop artista.


Jade Goody tornou-se celebridade aos 21 anos no Big Brother inglês. E ela se acostumou tanto com a vida sob o spotlight que sua morte está sendo acompanhada em tempo real por milhões de pessoas. Jade foi diagnosticada com câncer avançado em agosto de 2008 e, desde então, a mídia vem acompanhando seu tratamento, seus planos para seu próprio funeral, seu casamento às pressas... enfim, Jade ascendeu sob os holofotes e seu ocaso será igualmente espetacularizado, o grande público testemunhou o nascimento e está testemunhando a morte de uma celebridade.

Eu nunca havia ouvido falar dela antes de ser noticiada sua doença e seu casamento, mas agora há notícias sobre sua morte lenta e agonizante diante das câmeras com detalhes tocantes como o batismo seu e de seus filhos e outros elementos que, se estivessem numa novela ou numa série de TV, pensaríamos que o roteirista teria pesado a mão e apelado pro dramalhão exagerado para arrancar a todo custo lágrimas dos espectadores.
Verdade ou mentira, seu drama me faz pensar sobre esse processo inevitável que ela enfrenta tão cedo -- Jade tem 27 anos. Não critico sua escolha de vivê-lo publicamente, mas como ela consegue lidar com a iminência de seu fim? Como viver cada minuto com dor e sofrimento, sabendo que em breve tudo estará acabado -- será um alívio? Ela não mais verá seus filhos, não mais estará ao lado do homem que ama... Será que ela pensa se sentirá saudades deles? Há saudade após a morte? Há algo do lado de lá que nos mantenha ligado ao que vivemos aqui? Ou o apego é todo do lado de cá, lá só há liberdade -- ou nada?

Sempre me emociono quando vejo um vídeo de parto natural. O milagre da vida <\clichê> acontecendo ali, diante da câmera, me instiga e me faz imaginar que força superior pode ter projetado toda a complexidade e perfeição disso tudo. Mas há alguns anos vi um filme chamado Faces da Morte (não recomendo), que exibia cenas de pessoas e animais morrendo por razões diversas (doenças, acidentes, rituais etc.) e no fim do filme, um lindo rechonchudo e viçoso nada (ou corre ou engatinha) para resgatar nossa ligação com a vida e mostrar que tudo faz parte do mesmo ciclo. Mas a morte incomoda e dá medo, deixa saudades pros que ficam e revela o grande mistério a quem vai.

Toda esta temática tem estado muito presente. Por acaso ou não, tenho deparado frequentemente com os temas da eutanásia, aborto, suicídio etc. em séries de TV, sites e notícias. E me intriga muito a polêmica que esses assuntos causam e todo o questionamento religioso, ético e filosófico sobre aquilo que é comum a todos os seres vivos -- um dia, todos morreremos. Alguns ricos, outros pobres, alguns doentes, outros saudáveis... mas todos morreremos de uma maneira ou de outra. Só que algumas pessoas querem escolher como e quando, mas não podem... Final Exit é um site incrível sobre eutanásia. (Longe de fazer apologia à morte, ao suicídio ou à eutanásia, estou apenas divagando sobre o tema e não pretendo chegar a conclusão alguma.)


Como descendente de português, entendo bem a relação de apego que temos com a vida e o sofrimento. Há uma lenda medieval portuguesa que mostra como o país de nossos colonizadores se conformou com o destino final de todos e a miséria do mundo: uma senhora portuguesa com certeza, chamada Dona Miséria (quase todas as portuguesas carregam algum gene dessa senhora), recebe a visita da Morte mas consegue prendê-la em sua figueira encantada -- afinal, Dona Miséria era miserável mas não queria morrer. Com a Morte presa, o mundo começa a virar um caos -- as pessoas deixaram de morrer! -- e com muito custo, a Morte negocia sua liberação para poder ir trabalhar, garantindo que nunca levará Dona Miséria. Ou seja, a morte é um mal necessário para o mundo -- e a miséria nunca vai deixar de existir... Hahahahahaha!! Adoro a visão de mundo daquela gente pitoresca da Lusitânia!

Our mind thinks of death.

Our heart thinks of life

Our soul thinks of Immortality.

(Sri Chinmoy)

(Procure no Google Images as palavras «vida» e «morte». A primeira traz imagens coloridas luminosas, cafonas, brilhantes... e as pesquisas relacionadas são «felicidade» e «bebê». Já a segunda, traz imagens sombrias, frias, angustiantes.)

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