sábado, 18 de julho de 2009

Chega mais!


Imagine como eu, hiv+, me sinto com relação ao contato íntimo com outras pessoas. Algumas amigas que não sabem do meu status insistem em me dar estalinhos ao me cumprimentar e isso me incomoda (como reagirão o dia em que souberem?). E sei muito bem que posso representar uma grande ameaça a muitas pessoas e não as julgo por isso, há um grande estigma que pesa sobre soropositivos que gera muito medo de contato íntimo. Agora, imagine só como seria um mundo em que qualquer proximidade fosse uma ameaça, sem  necessariamente haver contato físico. É mais ou menos isso que está começando a acontecer agora.

Outro dia peguei a ponte aérea e fiquei meio apavorado. Andava pelo saguão do aeroporto e se alguém espirrasse ou tossisse, mudava minha rota para passar longe daquela nuvem de perdigotos e sabe-se lá quais outros elementos. Durante o vôo, um gajo na próxima poltrona após o corredor tossia a cada 20 segundos, uma tosse discreta e continua. Quase estendi a mão para sentir a temperatura em sua testa, mas me contive. Fui respirando cada vez mais raso, experimentando uma leve apnéia até virar-me pro lado esquerdo, onde uma senhora decidiu tossir depois de chupar uma bala de caramelo -- e fiquei tranquilo, afinal era apenas o açúcar da bala arranhando a garganta da vovó. Mas com certeza teria sido melhor viajar num avião sem tossedores.

Hoje num site de notícias: "Jovens de Osasco fogem de gripados na balada -- quem espirrar dificilmente conseguirá beijar na boca." 

Era só o que faltava: as pessoas terem mais medo de contato umas com as outras. O medo de contato íntimo-sexual dará lugar ao medo de respirar próximo de outras pessoas! Nada de cinema, teatro, shows... as pessoas terão pânico de tomar transporte público, acredito até que haverá casos de agressão a pessoas que viajem tossindo e com febre. Vai ser uma loucura!

E veja bem, as orientações são o básico de higiene e etiqueta: cobrir a boca com um lenço ao tossir e espirrar, lavar as mãos, evitar ambientes fechados com muita gente. Tudo muito razoável.

Eu cresci tomando banho de chuva e andando descalço dentro de casa e no quintal. Hoje, nos dias de frio saio do banho e coloco uma touca de lã para não pegar "friage", tento sempre ter um guarda-chuva à mão (perco uns 4 por ano), em casa uso pantufas no inverno e chinelos no verão, lavo as mãos algumas vezes por dia e agora ando com uma máscara N95 na mochila. Ah, e preciso pegar um gel de álcool antisséptico para levar comigo também! Ou seja, estou me tornando uma tia velha toda noiada e cheia de frescura!!

Que vontade de largar tudo e ir para uma praia distante, usar pouca ou nenhuma roupa, tomar banho de sol e chuva, sentir o cheiro da maresia, correr na areia descalço, dormir de janela aberta e sem muita coberta... :-)

Para descontrair um pouco:

sexta-feira, 17 de julho de 2009

sexo e hiv

Este post vem sendo escrito há meses, tendo gerado muitos outros posts, mas só agora encontrei uma forma de desenvolver este assunto sem ficar muito longo nem cansativo (espero que tenha êxito).



Há uma forma de se deter a pandemia de hiv: impedindo novos contágios com a prevenção absoluta de todas as relações sexuais. Certo? Mas há quem estenda essa noção para outras soluções um tanto, digamos, mais radicais. Por exemplo, já houve quem sugerisse colônias de hiv+ para isolar os contaminados e preservar os soronegativos, como as que fizeram para os leprosos. Já vi também idéias intrigantes, como tatuar os soronegativos de forma que as outras pessoas possam saber que se tratam de um perigo em potencial. Ok, essa idéias, além de inviáveis, tangenciam o nazismo e outras ideologias extremistas.

Mas há quem de fato acredite que a melhor forma de conter a pandemia de hiv seja perseguindo judicialmente e penalizando os hiv+ que mantiverem relações sexuais com soronegativos, expondo-os ao risco de contaminação -- isto é, sem informar seu status sorológico, mesmo que a relação sexual seja 100% protegida do início ao fim (na Nova Gales do Sul, na Austrália, o soropositivo é obrigado a revelar seu status a todos os seus parceiros sexuais). Há, inclusive, quem defenda que seja tipificado criminalmente o soropositivo ter relações sexuais com qualquer soronegativo, mesmo que ele revele seu status sorológico e o soronegativo consentir em fazer sexo com ele (protegido ou não). Pode-se perceber que há um grande número de variáveis para responsabilizar o soropositivo e há várias razões para se lidar com cada caso sem que haja um tipo legal que condene a um hiv+ a nunca mais ter relações sexuais na vida (ou que tenha que encontrar parceiros igualmente positivos). 

Exemplos como a festa em que dois soropositivos drogaram os convidados e infectaram um a um com uma seringa (!) ou de homens e mulheres soropositivos que mantiveram relações sexuais desprotegidas com diversos parceiros que ignoravam estarem sendo expostos são casos extremos. É claro que a intenção de contaminar outrem deve ser criminalizada, e o criminoso deve ser julgado e condenado por isso. Mas há tantos outros casos que não podem se enquadrar no mesmo tipo penal e deve-se ter muito cuidado para não se presumir que todo soropositivo com vida sexual ativa é um criminoso.

No Brasil, é crime expor pessoa a doença infecto-contagiosa (art. 130 e ss do Código Penal) e a letra da lei é gozada: para configurar crime, a pessoa sabe ou "deve" saber que está contaminado. Ou seja, mesmo que ela não tenha feito exame algum, se ela tiver fortes razões para imaginar que está contaminada já é suficiente para ser enquadrada no artigo 130. A intenção de infectar é uma agravante, mas tudo isso cai no velho problema de como provar o que se alega.

Aí vem o caso dos bug chasers e gift givers: afinal, se uma pessoa quiser se infectar, quem a infectar pode ser responsabilizada? Há quem considere que isso seja equivalente ao crime de auxílio ao suicídio. Há também quem considere o hiv um estado crônico controlável, não mais uma pena de morte. E isso talvez alivie a barra do giftgiver, mas ainda assim é uma questão que merece muita reflexão e bom senso. O que vale é conter essa pandemia e evitar novos casos.

Toda lei visa regular as relações sociais e interpessoais para evitar danos e prejuízos entre as pessoas, estabelecendo direitos e deveres para que a convivência seja harmoniosa -- ou pelo menos minimamente traumática. No caso de se criminalizar a transmissão de DSTs, há que se levar em consideração que um mínimo de senso de ética deve estar presente quando duas ou mais pessoas se encontram, principalmente quando há grande intimidade física e emocional envolvida.

Para haver um contágio são necessárias duas pessoas e, salvo estupro e outros casos especiais, todo soronegativo tem o poder de reduzir a quase zero suas chances de ser contaminado em relações sexuais (eu não teria me contaminado se tivesse seguido a cartilha sem infringir nenhuma regra de segurança). 

A realidade é a seguinte: há 25 anos o mundo teve que mudar, as pessoas foram obrigadas a adotar uma postura inteiramente nova no tocante à intimidade e ao exercício da sexualidade. Usar camisinha tornou-se imperativo em todas as relações e cada vez mais deve-se presumir que o outro é soropositivo mesmo que tenha na mão um papel que diga o contrário (tem a tal da janela imunológica, lembra?). Na grande maioria dos casos (relacionamentos monogâmicos serão discutidos noutro post, ok?), os contágios resultam da negligência de ambas as partes: alguém transmitiu o vírus (poderia não saber, mas deveria imaginar estar contaminado) a alguém que se expôs à contaminação (por ter confiado no outro ou por imprudência mesmo). No geral, onde há um culpado, há uma vítima com uma considerável parcela de responsabilidade pela contaminação sofrida, seja por ter cedido ao calor do momento, seja por ter estado sob a influência de álcool ou drogas, seja pela razão que for, mas todo mundo sabe que existem DSTs e que é dever de cada um se proteger delas.

(to be continued...)