sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Estigmas da soropositividade

Há algum tempo venho pensando sobre dois assuntos normalmente relacionados à homossexualidade e ao fato de ser soropositivo: promiscuidade e drogas.

As duas infectologistas com quem me tratei até hoje me surpreenderam com as reações que tiveram ao saberem de como me infectei e sobre meu uso de drogas.

Na anamnese, quando o assunto é sexo protegido e como eu me infectei, as duas se espantaram ao saberem que eu sempre me cuidei e a infecção não se deu num momento da minha vida em que eu me joguei em aventuras sexuais intensas e de alto risco. E as duas duvidaram quando eu disse que não sou um usuário habitual de drogas ilícitas -- com a exceção da maconha que eu adoro e se fosse fácil comprar, eu fumaria todos os dias com certeza. Mas como não tenho acesso fácil, acabo fumando muito eventualmente.

Em primeiro lugar: a fama de promíscuos que todos nós, homens gays, temos é condizente com a realidade? De certa forma, sim. O homem naturalmente pode se aventurar de maneira mais intensa e indiscriminada em relações sexuais frequentes com parceiras (os) diferentes. E falo isso porque experimentei e testemunhei a facilidade com que homens gays ou heterossexuais podem buscar sexo com uma diversidade de parceiros e/ou parceiras num curto espaço de tempo. Casas de massagem no centro do Rio de Janeiro oferecem preços especiais para duas "massagens" com duas "massagistas" diferentes. Nas saunas gays e clubes de sexo, poucos são os que se contentam com um parceiro apenas, experimentando o sexo rápido e fácil com diversos parceiros e quase sempre evitando repetir a dose com o mesmo carinha... a não ser que tenha sido algo realmente excepcional. Mas a quantidade e diversidade costumam ser mais importantes do que a qualidade.
Obviamente, generalizar é sempre um equívoco, eu já conheci homens gays que nunca colocaram os pés numa sauna ou num quarto escuro e não se contentam com sexo casual, buscam antes um relacionamento ou envolvimento maior para o sexo acontecer. Mas como regra, os homens são mais promíscuos sim e as saunas gays são um fenômeno que apenas confirma essa característica da sexualidade masculina -- e facilita sua manifestação.

Mas é curioso como mesmo entre os soropositivos, parece que há uma necessidade de se isentar de qualquer julgamento ou culpa afirmando que a infecção se deu num relacionamento ou num acidente eventual. Vi isso em sites de relacionamento e em diversos relatos e blogs de soropositivos a respeito da soroconversão.

Uma vez li sobre uma artista, não me lembro agora seu nome nem detalhes, mas ela se infectou através de uma transfusão de sangue ou um parceiro fixo e se destacou por falar publicamente de seu status, mas gostava de deixar bem claro que sua infecção se deu "acidentalmente" e que ela não era como os "outros", aqueles que praticavam sexo desprotegido com inúmeros parceiros ou que usavam drogas injetáveis.

De certa forma, também sou um exemplo disso, nem tanto para me diferenciar dos "outros", os promíscuos que fazem sexo indiscriminado sem proteção ou os drogaditos, mas para chamar atenção para o fato de que qualquer um pode se infectar, independente da frequência e da quantidade de vezes que se expõe. E a maior prova disso é que, depois de eu me infectar numa exposição rápida e única, um evento isolado num momento da minha vida em que eu me encontrava um tanto sossegado, eu retomei um namoro e meu namorado (agora ex) não se contaminou, mesmo depois de muitas relações sem proteção comigo. Com certeza ele se expôs mais vezes ao risco de se infectar do que eu, e não foi infectado -- graças ao bom Deus que o preservou são e salvo e me livrou dessa, pois eu jamais me perdoaria...


Outro aspecto que não entendo é a relação estigmatizada dos gays com as drogas. Eu não entendo por quê, nem sei se é um dado estatisticamente comprovável, mas parece que se espera que os gays usem droga (s) ilícita (s) -- maconha, ecstasy, cocaína... No MixBrasil, por exemplo, notícias sobre legalização da maconha são colocadas lado a lado com outros assuntos de interesse do público gay.
Mais uma vez me pergunto: procede essa relação entre gays e drogas? Mais de 80 por centos dos caras com quem me relacionei não usavam nenhum tipo de droga, nem as lícitas, e os que usavam, se limitavam a um baseadinho eventual, quando rolasse. Mas as raves e os clubes de música eletrônica parecem estar tomados de bibas enlouquecidas cheias de bala na cabeça, não é?

Talvez por ser um público **em tese** mais liberal com relação a alguns assuntos (pois não creio que os gays sejam mais liberais e menos preconceituosos, pelo contrário), este tema seja tratado com mais liberdade. Sei lá, mas eu tive de convencer às duas médicas que não sou um usuário habitual de drogas ilícitas. Assumia meu tabagismo (parei há 3 semanas!!!) e bebia (ainda bebo!!!), mas convencê-las de que NÃO USO TÓCHICOS era um custo...

Não posso condená-las por esse preconceito, os estigmas são colocados pela sociedade bla bla bla, mas por outro lado também somos responsáveis de alguma forma. No início da era do hiv, os grupos em que o vírus se disseminou mais rapidamente foram os gays e os viciados em drogas injetáveis. Com o tempo, este quadro mudou, mas novamente as estatísticas mostram que os gays e os usuários de drogas apresentam um crescimento vertiginoso de novas infecções. E o nível de tabagismo e consumo de álcool entre gays e lésbicas é consideravelmente alto, indicam várias pesquisas em várias partes do mundo.

Por isto, sinto que alguns soropositivos lutam contra não apenas o estigma da doença, mas também os demais estigmas que são vinculados ao seu status, como se o fato de ser promíscuo e drogado colocasse uma carga maior sobre seus ombros e a doença fosse, de certa forma, um castigo, um ônus a ser pago por suas escolhas **indevidas**.